PEARL (2022): Slasher intimista

A variação de humor da protagonista se reflete em uma inventiva variedade de tons em Pearl

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Em algum sentido, Pearl é um filme diferente de X: A Marca da Morte (2022), já que parte de um estudo de personagem para propor algo mais intimista do que seu antecessor. Porém, ao mesmo tempo, o longa segue um caminho igualmente old school e com uma abordagem gráfica ambiciosa quando lida com as mortes e outras possibilidades performáticas da trama.

Na verdade, ele se revela um filme até mais arriscado do que X, já que agora Ti West precisa encontrar um certo equilíbrio entre o slasher gráfico e a confusão psicológica da protagonista. Com certeza a participação de Mia Goth no projeto foi fundamental nesse processo. Além de escrever o roteiro junto com West, a atuação dela encarna muito bem essa ambiguidade.

Goth nunca vai para um lado “personagem perturbado de filme cult” com os maneirismos de uma atuação de quem deseja aparecer mais do que a obra e, no lugar disso, encontra a medida certa entre algo caricato e refinado.

O tom da performance e a ambientação de algumas cenas até funcionam como uma possível sátira em alguns momentos, principalmente quando o filme faz paródias com o melodrama hollywoodiano. Mas, no fim das contas, essa variação de humor da protagonista se revela o cerne dramático e estético da obra.

Nesse ponto, Ti West lida muito bem com a relação entre as cenas que se passam dentro e fora da casa da família. Muita coisa do que se passa fora ganha um peso levemente paródico e mais exagerado enquanto que o que se passa dentro é relativamente mais sóbrio e, sendo assim, ganha uma maior seriedade psicológica.

A variação de humor da personagem e a sua psicopatia, nesse aspecto, se refletem em uma variação de tons entre esses ambientes.

A casa funciona como uma espécie de inconsciente daquele imaginário, um pesadelo escuro e sem vida que rejeita e reprime os desejos da Pearl. E o mundo externo, por sua vez, se transforma em um palco que expressa tanto os desejos mais ingênuos da protagonista (o estábulo é o cenário de um musical, o cinema e o projecionista são um sonho distante) como também os mais agressivos (as mortes mais performáticas e teatrais se dão na luz do dia).

Ainda que Ti West também se utilize do espaço da casa para trabalhar com referências e aspectos estilizados, o ápice do filme acontece lá dentro em um momento bastante realista, porém que, ainda assim, remete a um exercício psicanalítico: o monólogo da Mia Goth na mesa de jantar.

Mesmo com todas as mortes e as cenas mais gráficas, o diretor e a atriz conseguem fazer de um monólogo e de um simples close o momento mais sombrio e poderoso do longa.

É como se, ainda que trabalhassem com uma lógica campy e espirituosa, diretor e atriz deixassem espaço para um ápice bergmaniano que tira a sua dependência direta da atuação e dos trejeitos daquele rosto. Logo após a cena, uma vez fora daquele núcleo sugestivo que a casa encarna, o terror gráfico retorna na morte final.

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