Denis Villeneuve propõe um filme mais imaginativo que o anterior com estrutura que remete a um blockbuster clássico
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Na segunda parte do épico baseado na obra de Frank Herbert, Paul Atreides se junta aos Fremen para se vingar dos conspiradores que destruíram sua família.
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UM BLOCKBUSTER DIRETO AO PONTO
O grande diferencial dessa segunda parte de Duna em relação ao primeiro filme é que, agora, Denis Villeneuve deixa de lado certos floreios estéticos e concentra suas forças em realizar um blockbuster mais convencional.
Além de ser um filme com vários acontecimentos, tais acontecimentos são narrados com um ritmo rápido e através de ações mais práticas.
Claro que Villeneuve ainda lida com uma construção sensorial muito presente, mas esse aspecto sensorial, pelo menos nesse filme, está muito mais à mercê dessas ações e dessas circunstâncias que precisam ser narradas do que de uma simples vaidade visual do autor.
Mesmo que o longa priorize o aspecto visual e plástico, ele ainda segue vários protocolos narrativos. Agora, a ideia de uma construção visual que se vale como um apelo autoevidente — como era o caso de Blade Runner 2049 (2017) e da primeira parte do próprio Duna — é, em partes, rejeitada.
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CENAS DE AÇÃO MAIS RIGOROSAS
O diretor até se enrola um pouco nas cenas de batalhas de maior escala, mas pelo menos tenta lidar com isso como pode e não foge dos confrontos como fazia no primeiro filme.
Ao invés de focar as suas forças nas batalhas grandiosas, ele as usa para contextualizar as sequências e depois se foca em lutas isoladas entre menos personagens.
Como essas lutas entre menos personagens são melhor dirigidas e, geralmente, possuem um fundo dramático bem contextualizado, é um método que funciona.
O ato final talvez seja o melhor exemplo disso. O confronto épico existe, mas é abordado de uma distância relativamente segura e sem grandes atrações. A atração está mais nas imagens de destruição das naves do que em confrontos coletivos diretos.
Depois dessa contextualização, o filme foca sua atenção no duelo shakespeariano entre os personagens de Timothée Chalamet e Austin Butler.
É uma cena muito boa porque além da trocação franca entre eles ser ágil e violenta (diferente da fraquíssima cena de luta que fechava o primeiro filme), existe uma solenidade dramática que funciona a partir do peso que o aspecto novelesco da trama trouxe até ali.
A primeira cena — quando os Fremen montam uma emboscada contra os Harkonnen — também é um bom exemplo desse método. O filme poderia ter começado como um Star Wars, com tudo acontecendo ao mesmo tempo, mas usa essa abordagem intimista em prol de uma ação rigorosa.
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UM FILME ÁGIL
Resumindo, Villeneuve adequa o seu virtuosismo, o seu olhar autoral e toda a sua abordagem sensorial, para um produto muito mais ágil. Algo que remete, em partes, a lógica de Matt Reeves em The Batman (2022).
São filmes que, visualmente falando, possuem escolhas pessoais e que, dramaticamente, são bastante densos. Porém, realizam tudo isso dentro de uma estrutura dinâmica que responde a alguns protocolos clássicos de Hollywood.
Enquanto no filme anterior o drama do cineasta com seus closes ultra estilizados parecia funcionar em um ritmo lento, próprio e vaidoso, distante da ação grandiosa exterior, aqui esse aspecto intimista é usado para reforçar a tensão das situações em campo.
A cena de Chalamet e Zendaya tentando acertar o helicóptero inimigo com a bazuca é um bom exemplo de como o diretor consegue, agora, mesclar melhor esses dois mundos e essas duas percepções de decupagem em uma só.
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NOVAS POSSIBILIDADES ESTÉTICAS
Visualmente falando, Villeneuve também abre o filme a mais possibilidades. Ele deixa de lado a concepção asséptica do longa anterior e assume uma textura relativamente realista e ruidosa nas cenas do deserto. Além de propor algumas experimentações em certos momentos.
A cena de Austin Butler naquela espécie de coliseu parece que saiu de um filme de Zack Snyder. A cor metálica isola os gestos do personagem no espaço e até faz com que ele seja visto como uma espécie de deus mitológico.
Inclusive, é uma cena relativamente pouco rebuscada para os padrões de Villeneuve — o que, ironicamente, pode ser considerado algo positivo nesse caso. O CGI da plateia é um pouco fake e a caracterização do personagem lembra uma série sci-fi barata.
Ou seja, o diretor não está preso em uma mera contextualização verossímil e assume um lado imaginativo arriscado, pelo menos até certo ponto.
Talvez Villeneuve tenha ficado menos perfeccionista nesse caminho todo e esteja, acima de tudo, se inspirando em um lado imaginativo da obra original.
O que foi uma ótima escolha tanto para ele (o seu cinema se torna mais enérgico e menos previsível visualmente) quanto paro estúdio, já que esse atual formato terá apelo tanto para cinéfilos exigentes como também para espectadores despretensiosos.
Duna: Parte 2 não é um filme perfeito. A trilha de Hans Zimmer força a barra em alguns momentos e a transição do segundo ato para o final peca no ritmo.
Mas está bem acima do primeiro filme e, querendo ou não, dialoga com outros grandes filmes dos últimos anos que também se focam em convenções clássicas do blockbuster através de escolhas estéticas contemporâneas e pessoais, como Top Gun: Maverick (2022), Avatar: O Caminho da Água (2022), The Batman (2022) e os filmes recentes de Christopher McQuarrie.