AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA (2022): Valores clássicos

James Cameron usa a tecnologia para reafirmar aspectos tradicionais do drama

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James Cameron é um diretor que continua fazendo, essencialmente, os mesmos filmes que fazia 30 anos atrás: uma grande narrativa americana sobre sobrevivência que passeia por gêneros tradicionais para contextualizar os dramas dos personagens e, no final, entrega um suspense que nos prende por mais de uma hora na tela como quase ninguém consegue prender nos dias de hoje.

Aliens, O Resgate (1986), O Segredo do Abismo (1989) e Titanic (1997) lidam com essas convenções em várias medidas.

Quanto mais o tempo passa, mais Cameron volta às origens das coisas. Quanto mais ele usa a tecnologia para repensar aspectos gráficos que influenciam na nossa imersão sensorial com o cinema, mais ele retorna a aspectos épicos tradicionais da narrativa.

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UMA FALSA IDEIA DE INOVAÇÃO

É por isso que é muito perigoso olhar para esses filmes em busca de uma ideia de inovação (quanto mais de desconstrução), já que a grande proposta deles, claramente, é a de reafirmar a força de alguns procedimentos muito básicos do cinema e do drama.

A nossa fascinação e encantamento, em Avatar: O Caminho da Água (2022), não está relacionada ao uso da tecnologia isoladamente, mas a como ela é empregada para potencializar temas e procedimentos elementares.

Cameron usa sim a tecnologia para tornar tanto os momentos simples (os encontros com a natureza, a presença da família) como os épicos (as batalhas, o suspense) mais palpáveis e sensorialmente mais poderosos, porém são todos momentos submissos a grandes convenções.

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O EXCESSO CONTEMPLATIVO

No caso desse filme, me parece até que ele passa um pouco do ponto na sua obsessão contemplativa em certas sequências.

O segundo ato, por exemplo, com toda a curva de aprendizado da família, poderia ser bem mais curto. Mas, ainda assim, todos os elementos e relações apresentadas ali se mostram de alguma forma vitais para a conclusão da narrativa.

O cineasta dá sim uma boa enrolado na curtição do pessoal, rola um capricho que um bom produtor teria cortado, porém nunca trabalha com um elemento que será totalmente esquecido ou inútil. A busca por uma eficiência narrativa sempre se revela de um modo ou outro. O papel crucial do tulkun marginalizado, no ato final, é um grande exemplo.

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O NATURALISMO HOLLYWOODIANO EM SUA MELHOR FORMA

Com certeza todo o ato final é superior ao resto do filme. Ali sim vemos Cameron se desafiando – e não apenas se curtindo – ao conciliar a limpidez da ação com o drama dos personagens. Ali sim enxergamos a capacidade dele de, literalmente, virar o mundo de cabeça para baixo e, ainda assim, soar natural.

Ele não faz isso a partir de uma simples ideia de efeito realista ou fetiches verossímeis ao estilo Marvel e Disney, mas reverencia diretamente as convenções naturalistas de uma Hollywood clássica.

O sentido das cenas nunca está dissimulado em efeitos especiais que funcionam apenas como estímulos que vão se atropelando. Tudo se encontra em um equilíbrio em prol da ilusão do espetáculo dramático.

É muito difícil encontrar cineastas que repensam tão bem aspectos técnicos ao mesmo tempo que se mantêm estritamente dentro das linhas de convenções. Me parece até que a grande crise de George Lucas com o cinema nasceu da barreira de se concretizar esse tipo de coisa nos dias de hoje.

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VALORES CLÁSSICOS

Essa ideia de espetáculo clássico não é algo que interessa aos estúdios, já que na grande maioria das vezes a obra irá soar apenas piegas, chata e pouco realista na cabeça de muita gente. Mais ou menos como Star Wars, Episódio II: Ataque dos Clones (2002) foi recebido. Além de serem filmes que, consequentemente, propagam valores fora de moda.

Cameron é uma espécie de grande milionário artesão que sabe navegar como ninguém dentro disso e que, obviamente, ainda está em atividade unicamente pelo dinheiro que consegue como retorno.

Quem sabe agora com o sucesso de Top Gun: Maverick (2022), que também segue essa linha de uma Hollywood mais transparente e de um cinema high concept de caráter old school, as coisas não tomam um outro rumo. Ou pelo menos apontem para mais alternativas dentro do panorama industrial.