DUNA (2021): A negação do épico

Apesar de escolhas visuais instigantes, Denis Villeneuve não demonstra tato para ação mais direta

*

Baseado no clássico livro de ficção científica de mesmo nome, o filme de Denis Villeneuve narra o início da jornada de Paul Atreides no universo idealizado por Frank Herbert. Como o principal herdeiro da Casa Atreides, Paul deve enfrentar vários conflitos envolvendo os habitantes do planeta Arrakis e a produção de uma preciosa especiaria chamada Melange.

.
A ESTERILIZAÇÃO DAS IMAGENS

Apesar de Denis Villeneuve ser conhecido pela estilização das suas imagens e por filmes com trabalhos complexos na direção de fotografia, o cineasta também possui um gosto muito particular por imagens mais “limpas”.

Mesmo nos planos mais grandiosos de filmes como A Chegada (2016) e Blade Runner 2049 (2017), é possível perceber uma textura muito cristalina e até mesmo asséptica na construção visual das cenas.

Blade Runner 2049 (2017)

Ainda que o cineasta proponha composições com uma relação complexa entre os cenários e as luzes em seus trabalhos, ele também busca uma objetividade muito clara nesse sentido, busca formas sempre muito evidentes. Algo que, se por um lado pode soar impessoal e até artificial (são imagens bonitas, mas sem vida e que recusam qualquer textura marcante), por outro podem funcionar muito bem em prol da atmosfera de algumas obras mais específicas.

No caso de Duna, o principal ponto positivo do filme é justamente esse. O modo como Villeneuve torna todas as imagens muito homogêneas e monocromáticas cria uma sensação de um mundo em que tudo é sintético.

As cenas externas soam como grandes estúdios em que uma luz chapada e sem contraste evidencia os personagens como peças de um tabuleiro. As paisagens arborizadas, por sua vez, tem a aparência de uma maquete, de um horizonte sempre paralisado.

Toda essa abordagem estéril cria uma atmosfera gélida que condiz muito com a premissa dramática da obra. Todos os personagens parecem distantes tanto de si como dos espaços que habitam. Ninguém estabelece uma relação de proximidade com o espaço à sua volta e tudo é motivo para uma desconfiança.

Algo que fica muito evidente não só nas cenas da chegada da família Atreides ao planeta Arrakis (os personagens parecem bonecos estáticos em um fundo virtual), mas em quase todos os planos que mostram grandes extensões de território.

Nesse aspecto, o cineasta recusa com todas as letras uma aproximação mais realista e já concebe a estranheza daquele universo a partir de uma estética artificial, quase até “laboratorial”.

.
O INTERESSE PELO ÍNTIMO

Os momentos em que o diretor faz questão de tornar a abordagem visual mais enigmática – e consequentemente faz um uso mais contrastado da luz – são em algumas cenas que sugerem uma intimidade.

Duna é um filme de grandes paisagens, mas é interessante perceber como Villeneuve busca algo muito mais pessoal quando filma um rosto, ou quando filma uma conversa reservada entre duas pessoas. O diretor parece mais a vontade quando aborda momentos íntimos do que grandes sequências épicas.

As cenas entre os personagens de Timothée Chalamet e Rebecca Ferguson são bastante inspiradoras nesse sentido. A intimidade entre mãe e filho é contraposta com o ambiente externo impessoal a partir de closes que realçam pequenas expressões do elenco.

Enquanto os espaços externos expõem os personagens, os internos funcionam como um mergulho mais subjetivo. O momento em que a Reverenda Madre testa a coragem de Paul, quando ele coloca sua mão na caixa e deve suportar dores inimagináveis, é um ótimo exemplo desses momentos em que o filme se comporta como uma espécie de drama de câmara futurista.

Mesmo que Chalamet possua várias limitações como ator, já que parece que está sempre com aquele semblante genérico de garoto desnutrido e coitado, sua persona possui algo de frágil que se adequa bem ao tom mais misterioso dessas sequências.

O cineasta se aproveita bem da aparência e fisionomia do elenco quando busca essa relação mais minuciosa de intimidade em seus planos. Rebecca Ferguson atinge um ótimo equilíbrio entre uma expressão inviolável e uma intenção afetuosa.

.
A RECUSA PELO CONFRONTO

Apesar dessas qualidades formais que, até certo ponto, de fato revelam um olhar particular de Villeneuve sobre a premissa do romance de Herbert, o grande problema do filme é como o cineasta recusa qualquer elemento de um confronto mais direto. Uma limitação que, ao que tudo indica, o próprio diretor parece ter certa consciência.

As cenas de ação são relativamente curtas, muitas são escuras e quase todas possuem um senso de escala muito pobre. Nesse ponto, até Ridley Scott em seus momentos mais genéricos conseguiria localizar melhor o espectador nas situações de embate.

Quando existe apenas uma tensão implícita e pouca ação, como na cena da colheitadeira, Villeneuve até segura as pontas e lida de modo relativamente bem com a atmosfera de aflição. Mas, para além disso, o cineasta possui uma abordagem com a ação muito limitada.

É como se o diretor, ao minimizar todos esses momentos de confronto, tentasse fazer um filme inteiro só com as cenas burocráticas de um Star Wars. O que até funciona nas sequência em que transforma a premissa em um drama psicológico, mas passa essa sensação de uma incompletude na medida em que sempre vai adiando ou evitando qualquer conflito mais direto.

Diante disso, fica difícil imaginar como o franco-canadense irá se sair em uma possível segunda parte. Aqui existe uma desculpa para construir um filme inteiro sobre uma contextualização, existe até a melhor das desculpas para não terminar a obra com um clímax, mas na hora mais inevitável dos confrontos, na continuação da saga, não é uma luz interessante ou um olhar penetrante em slow que irá resolver as coisas.

No saldo final, Duna possui escolhas visuais singulares ao mesmo tempo que desperdiça o caráter mais épico de sua premissa. Ainda que a narrativa se adeque muito bem ao tom intimista, o próprio Villeneuve parece enfrentar uma luta interna quando precisa lidar com um conflito físico em cena ou qualquer outra abordagem grandiosa mais vibrante.