O QUE A NATUREZA TE CONTA (2025): Contemplação Performada

Hong Sang-soo transforma a serenidade em performance

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O jovem Ha Donghwa acompanha a namorada, Kim Jun-hee, à casa de seus pais pela primeira vez. O que era para ser uma rápida despedida se transforma em uma longa e reveladora tarde na opulenta casa suburbana.

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A PERFORMATIVIDADE DO “NÃO SABER”

O novo filme de Hong Sang-soo revisita alguns dos procedimentos que marcaram sua fase mais recente, mas o faz tensionando a própria lógica desses recursos.

Desde os primeiros blocos, a narrativa constrói cuidadosamente a figura de um protagonista cuja vida, aparentemente modelada por um ascetismo voluntário, projeta uma aura de autenticidade contemplativa. Ele parece existir num estado de atenção permanente, como se cada movimento do cotidiano guardasse uma sabedoria latente à espera de revelação.

Tudo ao redor do personagem é moldado para reforçar sua persona: o carro modesto que ele dirige, a longa conversa com o pai da namorada, o restaurante simples de atmosfera doméstica em que ele almoça com a namorada e a irmã dela. O jovem observa pequenas coisas do cotidiano como se estivesse sempre à beira de algum haicai existencial.

Nesse primeiro momento, a abordagem trabalha deliberadamente a favor do protagonista. Hong faz com que o espectador veja o mundo através do olhar dele, quase como se sua sensibilidade fosse irrefutável.

Não é por menos que o personagem evoca figuras anteriores do próprio cinema do diretor – a personagem de Isabelle Huppert em The Traveler’s Needs, o poeta de In Our Day e a personagem de Kim Min-hee em By the Stream – nessa combinação de inocência, introspecção e autoabsorção tranquila.

Gradualmente, porém, o filme começa a subverter essa aura inicial. A cena da discussão com a namorada – gravada em um plano quase inteiramente desfocado – marca o ponto de virada.

Quando ela questiona: “por que você gosta tanto de não saber?”, a pergunta revela que esse suposto “não saber”, essa postura zen, talvez tenha um pouco de performance e pose.

Esse “não saber” que antes parecia um traço de sabedoria contemplativa, aos poucos surge como um artifício de desresponsabilização. Uma espécie de espiritualidade conveniente que protege o personagem de se confrontar com suas próprias contradições.

O clímax confirma essa desmontagem. Quando o protagonista, já completamente bêbado, deixa emergir um ressentimento infantil – competitivo, inseguro, quase sob a forma de uma rivalidade imaginária – toda a arquitetura ascética construída até ali desmorona.

É como se a câmera testemunhasse, com um certo rigor clínico, a dissolução da figura que o filme parecia ter legitimado no início. O homem que se pensava contemplativo transforma-se em algo próximo de um “incel tardio”. Alguém incapaz de sustentar a própria narrativa interior e, por isso mesmo, constantemente desejoso de afirmá-la diante dos outros.

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O LIRISMO HESITANTE DA IMAGEM

Do ponto de vista visual, o filme opera num terreno liminar, entre a precariedade deliberada do digital caseiro que marca a fase mais recente de Hong e a estética turva de In Water, em que o cineasta explorava o desfoque como forma de experiência sensorial e conceitual.

Aqui, essa oscilação é retomada com nuances próprias. Alguns planos abraçam abertamente a falta de nitidez, como se a imagem desistisse de oferecer certezas e convertesse o foco em mera sugestão atmosférica.

Em outros momentos, a câmera permanece numa zona ambígua, um espaço entre o foco doce e o foco incômodo que parece sempre à beira da imprecisão. Essa flutuação gera uma textura particular.

Essa aparência “suja” não é apenas um efeito técnico ou econômico. Ela carrega uma intenção estética mais sutil, já que o filme procura instaurar um lirismo hesitante, uma poesia visual que nunca se estabiliza totalmente.

Em vez de culminar numa epifania formal, a imagem permanece sempre em estado de tentativa, como se o próprio ato de ver fosse precário, vulnerável e sujeito a falhas.