IN WATER (2023): O mundo das formas

Em seu longa esteticamente mais radical, Hong Sang-soo reforça aspectos do seu método

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A pequena equipe de um filme, formada por 3 pessoas, passa os seus dias em uma ilha aguardando a inspiração do diretor.

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A OPACIDADE DO DISCURSO

In Water é um filme em que Hong Sang-soo parte de uma ideia bastante presente em seus últimos longas: enfatizar a presença dos seus personagens de modo cru e direto, mas ainda com certo lirismo.

Porém, neste trabalho, o cineasta repensa esse conceito dentro de uma estética assumidamente mais pictórica.

A partir disso, é interessante como o diretor sugere uma abstração nas imagens (praticamente todos os planos do longa estão fora de foco), mas nunca parte para uma estilização da fotografia, já que a estética da obra conserva o aspecto artesanal de seus outros trabalhos.

Ou seja, Sang-soo alcança essa abstração por uma manipulação direta simples no dispositivo da câmera e não através de um conceito complexo de fotografia.

Enquanto em seus outros filmes o cineasta flerta com a ideia de personagens como espectros que passam por ambientes e deixam algum tipo de rastro que depois será assimilado ou ressignificado de algum modo, aqui essa ideia especulativa de espectro está esteticamente assimilada na tela.

Para ficarmos em uma alusão próxima a certas definições do teórico brasileiro Ismail Xavier, a falta de foco nas imagens é, literalmente, a opacidade explícita do discurso cinematográfico.

A janela para o filme, no sentido do acesso do espectador para a experiência cinematográfica, possui uma mediação explícita que nos impossibilita de observar as situações com clareza pois expõe uma subversão impositiva da linguagem.

Sendo assim, a experiência estética redefine a experiência narrativa e constrói uma outra forma de discurso.

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A ESTRUTURA DE REPETIÇÕES

Essa abordagem estética incomum faz com que até mesmo a repetição das cenas, um método bastante comum em vários longas de Sang-soo, ganhe uma representação mais característica.

Devido à falta de foco, as cenas replicadas parecem muito mais similares entre si. A atriz que recolhe o lixo em uma ação encenada, por exemplo, tem a exata mesma aparência da personagem que faz isso na realidade do filme. São duas manchas brancas que não se diferem.

Sang-soo usa esse efeito para tornar seus dípticos mais legítimos ao mesmo tempo que mais enigmáticos. Em praticamente todas as cenas, a realidade tem um aspecto impressionista, mas ainda muito cru, já que a textura do vídeo é, também, muito explícita.

O cineasta perde detalhes dos rostos e da atuação, mas ganha essa massa visual expressiva que dá ênfase para a integração dos personagens com os cenários. O que torna o seu método narrativo de estruturas ambíguas ainda mais interessante.

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A SÍNTESE FINAL

O modo como o final do longa sintetiza todas as ideias do filme de maneira muito objetiva e, ao mesmo tempo, lírica, lembra um trabalho como Filha de Ninguém (2013).

O plano final, quando o protagonista caminha em direção ao mar, condensa tanto a principal escolha formal do longa como também seu drama central.

O personagem se integra no mar de modo ainda mais orgânico com a falta de foco e o curta que os personagens estão realizando se revela como uma espécie de carta de suicídio indireta que evidencia o isolamento do protagonista.

É um filme que funciona muito bem como uma rima formal a trabalhos como A Câmera de Claire (2017) e A Mulher que Fugiu (2020). Filmes em que o cineasta enfatiza a presença “fotográfica” do elenco, enfatiza a figura do elenco através de uma contemplação direta e limpa de artifícios.

Agora, ele parte da mesma premissa, mas torna o apelo humano ainda mais ambíguo, já que rejeita a expressão do elenco e mostra os atores não apenas como personagens, mas formas que se confundem com o espaço.

O suicídio abstrato-videográfico do protagonista é o ápice dessa ideia. Ele rejeita a vida para viver no mundo das formas.

Como todo grande diretor de método, os maiores filmes de Hong Sang-soo são aqueles em que menos coisas acontecem e tudo se explicita através do processo. Sendo assim, In Water será definitivamente lembrado como uma das maiores conquistas desse grande artista.