Sean Durkin constrói drama mórbido ao subverter a lógica do espetáculo da luta livre
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O filme narra a história real dos irmãos Von Erich, atletas de luta livre profissional que tiveram sucesso nos anos 80, mas sofreram com tragédias pessoais.
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UMA ABORDAGEM INTIMISTA
Garra de Ferro é um filme que usa muito bem a textura da película 35 mm na sua fotografia a partir de uma lógica clássica e até melodramática em que as escolhas estéticas transmitem, de maneira pouco óbvia, sensações reprimidas ou negadas pelos personagens.
Apesar do longa lidar com a ideia espetacular do wrestling, ele possui uma abordagem estética intimista e clássica que prioriza a figura dos atores e personagens em suas mínimas reações e estímulos.
Nesse sentido, existe uma dinâmica de contenção que perpassa toda a obra: desde as feições mínimas de Zac Efron, que encontra na figura do bombado sem expressões o sentido de um homem que usa uma armadura para defender sua essência e seu espírito — a mesma figura arquetípica do cavaleiro sobrevivente amaldiçoado de Guts em Berserk — até os closes enfáticos em Maura Tierney depois que a personagem dela começa a perder os filhos.
Mesmo o modo que o filme organiza visualmente as lutas prioriza uma tensão psicológica pouco evidente em meio ao espetáculo.
A plateia, nas cenas de lutas, é praticamente ignorada durante os embates. Não existem planos de reação da audiência, ela é apenas uma forma presente à distância, como se fosse parte do cenário, e a iluminação pontua apenas o ringue.
O ringue, tanto nos momentos de luta como de treinos, está mais para uma câmara que versa com essas tensões reprimidas do que para um palco propriamente. A iluminação em tungstênio do fotógrafo Mátyás Erdély reforça esse lado intimista ao mesmo tempo que dialoga com um aspecto nostálgico daquela época.
O modo como o filme lida com a morte responde um pouco, também, a essas ideias de repressão e contenção. Ele é, basicamente, um filme sobre pessoas morrendo, mas quase nunca mostra essas mortes em cena.
Fora o suicídio do personagem de Jeremy Allen White — que apesar de acontecer no tempo narrativo da cena que estamos vendo, ainda é cometido no extracampo — o longa lida muito mais com a consequência e, novamente, tentativas de contenção dessas tragédias.
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A MORTE E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Todos os acontecimentos do longa respondem a uma certa mecânica da repressão e das aparências que o pai gerencia. O clímax nunca está na encenação da morte, mas nas expressões dramáticas reprimidas das suas consequências.
É interessante como, nessa questão mórbida, Garra de Ferro remete a Ferrari (2023), de Michael Mann, porém a partir de uma chave sentimental mais conservadora e menos liberal que separa muito bem os dois filmes.
Apesar da morte, no filme do Michael Mann, sempre rondar aquelas figuras, ela funciona em uma lógica à Howard Hawks de ser parte essencial do “trabalho dos homens”.
Aqui, a morte é sempre uma tragédia e uma surpresa que, teoricamente, não deveria fazer parte de um esporte em que boa parte das suas resoluções são roteirizadas.
Enquanto em Ferrari (2023) a morte alimenta o discurso capitalista e antifamília que subjuga a presença das mães e mulheres (elas são úteis, mas não fazem parte do jogo da eternidade designado para os homens), aqui a morte de fato destrói a alma de uma família que se estrutura numa definição muito mais tradicionalista e nuclear, não como uma simples empresa.
Até existe a tentativa de substituir o lugar dos filhos que vão morrendo, uma tentativa de seguir essa dinâmica empreendedora a todo custo, mas são ações que trazem mais destruição e nunca alimentam um ciclo de poder.
Não é por menos que a cena final de Garra de Ferro (2023) enfatiza a renovação da vida através da família que o personagem de Zac Efron formou. Não é como no final do filme de Mann que, no cemitério e somente entre os filhos (um vivo e um morto), a obra rejeita qualquer outro integrante e renova o seu pacto com o luto e com o dinheiro.
É até interessante como o personagem de Efron funciona como uma espécie de sobrevivente na medida em que passa a rejeitar os passos do pai, mas nunca exatamente os seus valores familiares.
Ainda que questione os métodos do pai, o longa nunca rejeita a ideia da família como essa instituição máxima sobre os indivíduos. Pelo contrário, considerando o destino do personagem de Efron (o único sobrevivente), formar a sua própria família foi, justamente, o fator que o salvou da maldição da família de seu pai.