Em um de seus filmes mais metódicos, Paul Schrader evidencia o metafísico em paisagens idílicas e banais
*
Um horticultor, vivido por Joel Edgerton, é encarregado de cuidar de uma grande propriedade de uma viúva. Quando a sobrinha de sua patroa se torna sua aprendiz, o protagonista deve enfrentar segredos do seu passado.
*
A NATUREZA COMO UM RESGATE METAFÍSICO
Mesmo que Master Gardener não seja um filme diretamente sobre religião, é interessante como Paul Schrader coloca a natureza — e, de alguma forma, uma ideia cristã de mundo natural — como um lugar de resgate para seus personagens.
Para além da cena que sugere elementos sobrenaturais diretos quando vemos uma vegetação florescendo em uma estrada, a maneira como o diretor isola o jardim e a propriedade em que boa parte do filme se passa dá impressão que aquele lugar não está, de fato, inserido no mundo.
O lugar, que por si só já possui uma característica paradisíaca com os jardins bem cuidados, ganha contornos ainda mais contemplativos com as escolhas de linguagem sóbrias do diretor. Talvez até mais do que nos filmes anteriores, aqui ele claramente recusa qualquer indício de estilização e trabalha com uma luz absolutamente sem contrastes nas cenas diurnas.
Algo que poderia soar impessoal, mas que, na prática, integrado a todo o conceito dos personagens, funciona muito bem como uma escolha asceta. Até o modo como os personagens agem e se vestem busca uma uniformidade bem mais impositiva do que nas obras anteriores.
Os funcionários no jardim estão quase sempre vestindo uniformes e se movimentam de maneira mecânica pelo ambiente. Apenas a personagem de Sigourney Weaver, por suas ações e figurino, quebra um pouco essa ordem asceta estabelecida desde o início.
O que também dialoga muito bem com a função da personagem de Weaver como a detentora e a julgadora daquele pequeno paraíso.
.
O AMOR COM UM ENCONTRO COM O DIVINO
Na primeira metade do filme, os personagens estão claramente protegidos por esse ambiente e por essa ordem, por esse paraíso que se constrói a partir tanto de referências óbvias como também sutis.
O ambiente dos jardins faz uma clara referência ao Éden enquanto é abordado com um estilo sóbrio que remete a cineastas como Robert Bresson e Yasujirō Ozu.
Uma vez que os dois protagonistas, interpretados por Joel Edgerton e Quintessa Swindell, saem desse ambiente, eles se tornam mais vulneráveis à desordem do universo, ao mundo moderno e antinatural, porém reencontram uma nova ideia de natureza divina na relação que constroem entre si.
A cena em que os dois tiram a roupa um na frente do outro evidencia isso muito bem. É uma das melhores cenas de toda filmografia de Schrader porque sintetiza aspectos do seu cinema da maneira mais metódica possível: homem e mulher se desarmando, se entregando um para o outro, num espaço absolutamente impessoal (um quarto de motel) que é reorganizado em um espaço sagrado pela câmera.
Os quartos de motéis, gravados como se fossem casas em um filme do Ozu, estão, particularmente, ainda mais especiais nesse filme, já que Schrader consegue alcançar esse efeito asceta com ainda menos elementos do que antes. Uma lata de refrigerante no canto do plano ganha um peso solene que só um diretor como ele saberia dar.
.
UMA POSSÍVEL TRILOGIA
No geral, Master Gardener é um filme que funciona muito bem como uma continuação espiritual de Fé Corrompida (2017) e O Contador de Cartas (2021). Aqui, o cineasta integra o aspecto religioso de um com a paisagem norte-americana impessoal e com o imaginário violento do outro.
Mesmo a figura de Joel Edgerton funciona como um híbrido entre os protagonistas anteriores. Ele tem a serenidade do Ethan Hawke e a presença um pouco mais ameaçadora do Oscar Isaac.
A maneira como Edgerton trabalha com essas duas características sem precisar evidenciar esse contraste de maneira óbvia, mas, justamente, explorando essa ambiguidade de modo metódico, faz com que essa seja, provavelmente, a maior atuação da sua carreira até o momento.
Por esses motivos, podemos afirmar que Paul Schrader nos oferece uma possível trilogia que trata de temas e formas caras ao seu trabalho como cineasta e como crítico.
São três filmes que exploram, a partir de escolhas estéticas rigorosas e austeras, nunca meramente estilizadas, a impossibilidade de redenção de seus personagens em um contexto moral ambíguo do mundo contemporâneo.