MIRADOR (2021): Cotidiano hostil

Bruno Costa evita romantização ao evidenciar a experiência solitária de seu protagonista

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Assim como Marte Um (2022), Mirador (2021) é um filme que parte de uma abordagem bastante direta para retratar uma realidade específica e evita qualquer cosmética ou romantização clichê nesse processo.

Porém, no caso de Mirador (2021), o diretor possui um estilo bem mais sóbrio e menos sentimental.

Nesse ponto, o longa é até uma espécie de antítese estilística ao Marte Um (2022). Não é um filme sentimental sobre a união de uma família. É um filme com um tom distante sobre a desunião de uma família e sobre a solidão cotidiana de um pai.

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UMA DISTÂNCIA REVELADORA
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Bruno Costa
, em suas escolhas estéticas, trabalha com uma “distância reveladora” que remete muito ao cinema dos irmãos Dardenne. O cineasta prioriza planos com câmera na mão que colocam o espectador dentro das situações ao mesmo tempo que limita o seu olhar. Algo muito diferente da câmera estática, acolhedora e serena de Gabriel Martins.

Essa escolha dialoga muito bem com o fato do protagonista ser um homem negro em uma cidade como Curitiba, já que o resultado, na tela, reflete uma experiência cotidiana pouco convidativa e, até mesmo, hostil.

Existe sim uma noção de intimidade muito bem trabalhada – inclusive a menina de 2 anos é uma pequena gênia do drama, raramente você encontra uma criança tão bem dirigida e disposta nos planos -, mas as cenas duram pouco e a decupagem está sempre mais interessada em bons planos de reação do que em construir sequências longas.

O que também dialoga de modo mais dinâmico com uma claustrofobia que percorre boa parte das sequências. Nesse ponto, ele não é como um filme dos Dardenne que dilata o plano e usa essa claustrofobia como um incômodo possibilitador. O diretor sempre corta antes disso acontecer e se vale muito bem desse acúmulo de cenas e ações mais objetivas.

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A ARMADILHA DA DESPRETENSÃO

No geral, eu sinto que o trabalho possui uma despretensão que é, ao mesmo tempo, a sua maior virtude, mas também o seu maior defeito.

A abordagem cautelosa e de cenas curtas cria, no decorrer da montagem e das elipses, um peso dramático eficiente. Tudo é realmente muito bem dosado sem soar apelativo. Porém é um filme que não se preocupa tanto com a progressão disso.

Não que ele precisasse construir um grande clímax ou uma grande resolução, a dramaturgia lembra a estrutura de uma obra neorrealista em que o objetivo é, justamente, confirmar esse mesmo estado das coisas, essa permanência melancólica que aquela situação retrata; mas sinto que ele tem receio de ir mais longe nesse aspecto emocional (e nas suas resoluções) e acaba sendo, talvez, seguro demais no modo em que lida com as conclusões dramáticas da narrativa.

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A FORÇA DA CONVENÇÃO

De toda forma, é outro longa brasileiro que, assim como Marte Um (2022), usa muitíssimo bem algumas convenções para tornar a sua experiência mais dinâmica sem nunca afetar o olhar cuidadoso sobre o seu tema.

Ele é até mais convencional do que o longa de Gabriel Martins porque também vai dialogar com uma tradição de filmes dramáticos de boxe que usam o esporte como uma forma de escape para um personagem emocionalmente desgastado.

Além disso, também usa essa prática esportiva para intensificar um lado mais desolador de tudo (a academia pequena,  a disciplina solitária do protagonista, os torneios entre pequenas divisões) sem soar piegas ou forçado.