Ainda que conservando um método rigoroso, o filme de Paul Schrader cai em uma ambiguidade muito segura
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The Card Counter é um filme sobre um ex-militar, vivido por Oscar Isaac, que trabalha como um jogador profissional de cartas. Ao longo da narrativa, descobrimos que o protagonista busca uma espécie de redenção que tem relação com a sua atuação na guerra do Iraque.
Se formos pensar nesse longa a partir da filmografia de Paul Schrader, podemos concluir que o tom do trabalho fica entre Gigolô Americano (1990) e First Reformed (2017).
Além das referências formais e temáticas a Robert Bresson que os dois filmes compartilham – aqui, Schrader novamente refaz o plano final de Pickpocket (1959) como em Gigolô Americano (1990) -, The Card Counter se coloca no meio-termo entre a radicalidade do filme de 2017 e a relação mais próxima com o cinema de gênero do filme de 1980.
Essa receita entre algo mais sugestivo e algo mais radical cria uma dinâmica narrativa inicialmente bastante interessante, pois torna a obra relativamente imprevisível. A premissa da história abre possibilidades que, durante o decorrer do filme, nunca sabemos se serão concretizadas.
Apesar do cineasta apresentar perspectivas narrativas bem diretas, como a vingança do protagonista contra o personagem de Willem Dafoe e sua a relação amorosa com a personagem de Tiffany Haddish, ele nunca dá indicações de uma resolução dramática completa.
O que se por um lado ajuda nessa atmosfera misteriosa que cerca a figura de William Tell (como em vários outros longas de Schrader, a impulsividade e o enigma envolvendo uma persona masculina tem uma importância essencial aqui), por outro também faz com o que o longa apenas prometa uma intensidade que nunca se concretiza.
Enquanto que em First Reformed percebíamos uma progressão muito clara da crise do protagonista, em The Card Counter ela está mais diluída entre as impressões soltas da narração e na sua relação sempre hesitante com os coadjuvantes e com o mundo a sua volta.
Uma hesitação que até se adequa à construção do personagem, mas que, invariavelmente, afeta o método rigoroso do cineasta. Sempre que o protagonista parece decidido, ele nos frustra e volta para um lugar sugestivo mais seguro. Ainda que visualmente exista um rigor na decupagem bastante afiado, o longa não parece interessado em correr grandes riscos.
Provavelmente o momento mais inspirador, e que de certa forma subverte essa lógica, é quando o trabalho mostra as cenas em Abu Ghraib. Nessas cenas que contextualizam o trauma de William Tell, existe um efeito de distorção que estiliza as imagens e ainda preserva um aspecto cru expressivo. Algo que gera um contraste bastante oportuno com o resto do filme.
A cena final, por sua vez, talvez seja o melhor exemplo dessa dinâmica sugestiva que tira a força que a obra promete. Quando o personagem de Oscar Isaac finalmente toma uma decisão e vai atrás do major para obter sua vingança, a abordagem visual minimalista da cena torna tudo muito brando.
Não que fosse necessário uma redenção épica e um banho de sangue, mas a maneira que Schrader resolve a cena está mais para uma falta de criatividade do que para um pretenso modelo bressoniano que, ao que tudo indica, ele tentou seguir.
Um modelo que, definitivamente, deu certo em First Reformed (2017), mas que aqui usa o seu rigor de modo menos objetivo e mais como um método ambíguo e seguro de resolver as sequências.