O Cinema de Andy Warhol


O Cinema de Andy Warhol
2018 | 08 min

Através de um registro bruto, os filmes de Andy Warhol buscam uma possibilidade de sublimação no cotidiano.

O registro bruto como uma possibilidade de sublimação nos filmes de Andy Warhol

Apesar de Andy Warhol não ser tão lembrado pelo seu trabalho no cinema como é por outras obras de arte, toda a filmografia do artista possui uma investigação cinematográfica muito particular. O crítico P. Adams Sitney enxergava em Warhol um precursor do Cinema Estrutural, principalmente pela maneira como boa parte de suas obras vão restringir a experiência cinematográfica a um procedimento formal mínimo, uma abordagem que tira de um registro simples e objetivo uma possibilidade ao mesmo tempo impessoal e subliminar.

Em seus primeiros filmes, o artista concebeu espécies de retratos cinematográficos corriqueiros onde não existia qualquer lirismo ou relação subjetiva implícita. Uma pessoa comendo. Uma pessoa dormindo. Pessoas se beijando. Isso já bastava para Warhol articular uma meditação sobre a natureza mais fundamental do movimento humano. Uma reflexão onde o elemento da duração era sempre essencial. O cineasta insistia nesses mesmos atos por minutos, às vezes horas, nunca buscando uma glorificação ou uma estilização, mas procurando revelar uma essência elementar: fazer do filme a definição da ação e do seu significado em si.

Em Kiss (1963) não vemos simplesmente pessoas se beijando, vemos o beijo. Em Eat (1963) não vemos apenas um homem comendo, vemos o comer. O filme sublima o seu ato a partir de um minimalismo objetivo e mecânico, mas que exalta uma busca pelo primordial, pelo lirismo não implícito na visão do artista e na demanda subjetiva, mas na presentificação que esses atos denotam por si só.

Edie Sedgwick Screen Test

É como se, nessa insistência pela duração, o artista limpasse qualquer interferência que pudesse denotar uma articulação emotiva e, por meio dessa automação, desse tédio que é simplesmente a pura evidência de um momento como ele é, fosse revelado a substância verdadeira daquela ação. Substância essa que pode, muito bem, não significar nada. A busca utópica por esse retrato inalcançável é a verdadeira motivação por trás dessas obras.

Essa busca por um lampejo, por uma presença trivial, remete diretamente aos hoje icônicos screen tests. Ao filmar o rosto de personalidades e conhecidos por vários minutos, concebendo esse close-ups sem função aparente, Warhol não buscava solenizar aquelas figuras. Pelo contrário, o artista queria simplesmente captar uma presença. Não existia prerrogativa certa ou errada, a câmera permanecia naquele rosto e o registrava objetivamente, sem a interferência poética do artista. O resultado é tão poderoso quanto banal.

Existe mesmo uma ambiguidade muito possibilitadora nessas abordagens, já que ao contemplar esses rostos, hora ou outra percebemos uma feição particular, um olhar específico, um meio sorriso. Pequenos movimentos que vão de uma revelação sublime a admissão de uma banalidade usual. Fica bastante evidente que o cinema de Andy Warhol foi um cinema da observação. Não exatamente da contemplação, mas da objetificação do olhar, da assimilação da duração como uma analogia ao tempo da vida acontecendo.

Empire (1964) consiste em uma filmagem do Empire State Building que dura 8 horas e 5 minutos. O artista dizia que o objetivo do filme era “ver o tempo passar”. O filme se torna esses lampejos imperceptíveis que se fundam em uma relação propriamente estática. Ao recusar qualquer gênero de digressão dinâmica, qualquer movimento que seja, a simples noção do tempo passando, em Empire, se apresenta como um acontecimento. O filme como um fim em si mesmo, consciente da sua condição conceitual ao mesmo tempo que instigante na sua inutilidade provocativa enquanto cinema.

Empire (1964)

Mesmo quando Warhol inicia sua parceria com Paul Morrissey e começa a conceber filmes onde existe uma premissa narrativa propriamente, incluindo diálogos e relações de cena que, pelo menos na teoria, se aproximam de uma construção dramática, os trabalhos continuam seguindo uma dinâmica de registro bruto, de se conservar um registro rústico da câmera e uma insistência em certos atos arbitrários dos personagens.

Chelsea Girls (1966), o longa mais famoso dessa fase e possivelmente o filme mais conhecido de Warhol, acompanha a vida de alguns residentes do Hotel Chelsea, em Nova York, através de conversas e situações dramáticas, porém a partir de uma construção muito específica. A tela é separada em dois momentos distintos, ouvimos o áudio de apenas um dos lados. Os atos são repetitivos e desarticulados. Intuímos o que acontece muito mais a partir de uma fragmentação desse movimento do que de uma contextualização convencional.

 Chelsea Girls (1966)

Nos filmes que seguiram, onde Warhol acaba explorando até mesmo uma relação de iconografia narrativa (Lonesome Cowboys (1968), San Diego Surf (1968)), os trabalhos continuam perpetuando uma veia experimental e nunca lidando com uma ideia objetiva de evolução dramática. Sempre de exposição, de evidenciar o elemento icônico muito mais do que explorá-lo dinamicamente

Os filmes de Andy Warhol são trabalhos extremos que remontam não só uma ideia de deslocamento conceitual e do ready made como um método central na sua carreira – acontecimentos prontos que só precisam ser registrados, ser apropriados pela câmera – mas que representam um marco definidor na historiografia do cinema experimental e do cinema como um todo.

Assista ao Vídeo Ensaio sobre o Cinema de Andy Warhol:

Arthur Tuoto