OS FABELMANS (2022): Nostalgia e intimidade

Steven Spielberg concilia seu amor ao cinema com um drama sobre a intimidade

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Os Fabelmans (2022) começa de maneira bem genérica, principalmente pelo modo ilustrativo que localiza as relações familiares no seu primeiro ato. Para ficarmos em uma comparação com outro lançamento recente, é o oposto de Armageddon Time (2022), que se esforça para trazer um peso característico para qualquer cena mundana.

Porém na medida em que a narrativa integra aspectos mais específicos da trama com o tema do cinema de modo mais sutil, o longa melhora muito. A jornada coming of age do protagonista, a desconstrução da figura da mãe e as possibilidades de representação que as imagens amadoras oferecem funcionam como mediações dramáticas e íntimas muito expressivas.

O que não deixa de ser um grande exemplo da habilidade de Steven Spielberg em fazer filmes aparentemente despretensiosos sobre grandes temas. Apesar do cineasta lidar, nessa obra, com toda uma questão autobiográfica, ele consegue encontrar um tom que não é meramente narcisista ou centralizador.

O filme até pode ser centrado no garoto e ele pode ser o único cinéfilo e aspirante a cineasta daquele entorno, mas tudo o que ele faz com o cinema envolve uma experiência coletiva. Da relação com os pais aos amigos, existe sempre um aspecto cinematográfico unindo ou tensionando esses vínculos.

Como se o cinema fosse mais do que essa paixão individual e atuasse como uma espécie de mediador de relações que vão muito além do aspecto artístico. Mesmo o caso extraconjugal da mãe é descoberto pela câmera .

Desse modo, a relação com o cinema nunca se limita a uma visão puramente ingênua ou infantilizada. Ela está integrada nos dramas cotidianos.

O contexto da escola e a maneira como Sammy usa o filme que faz para a turma para ressignificar a figura do seu colega bully – numa jogada oportunamente meio Leni Riefenstahl – também revela outra propriedade das imagens e da representação para além dessa ingenuidade. Existe, até mesmo, algo de cínico em como Sammy manipula a imagem do valentão.

O fato da fotografia ser menos estilizada do que os últimos filmes do Spielberg também ajuda nessa relação mais humana com tudo. Janusz Kamiński está mais preocupado em evidenciar a textura da película em composições tradicionais (ainda que bem dinâmicas) do que em propor grandes piruetas formais.

Mesmo o final, que provavelmente contém a única cena que realmente soa como um capricho, funciona muito bem ao integrar dois cineastas (David Lynch e John Ford) que, querendo ou não, são presencialmente caricatos ao seu modo e representam ciclos distintos de um mesmo imaginário norte-americano. Novamente, uma ideia de integração histórica que vai além de uma perspectiva individual.