James Wan pesa a mão em filme que propõe um percurso pelas tradições do terror
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Apesar de Maligno (2021) ter apenas uma trama, o novo filme de terror de James Wan passa a impressão de ser várias obras em uma, já que o cineasta faz questão de transitar por diversas tradições envolvendo o gênero.
O longa conta a história de Madison, uma mulher que tem pesadelos com pessoas sendo assassinadas. Depois de um tempo, ela descobre que seus sonhos acontecem enquanto os crimes são cometidos e que tudo isso tem relação com uma entidade do seu passado chamada Gabriel.
De certa forma, Maligno (2021) é uma espécie de Sobrenatural (2010) turbinado e de alto orçamento. Tanto pela forma que o filme aborda as cenas internas na casa da protagonista e isola as “set pieces” de modo geral, por esse trânsito dos personagens entre dimensões reais e fantasiosas, como também pelo exercício assumido e bastante direto com o gênero do terror.
Isso acaba tendo pontos positivos e negativos. Se por um lado James Wan consegue elaborar as cenas de modo muito rico e usa todos os efeitos que tem direito com um frescor pouco visto no cinema de terror mainstream, por outro o cineasta atira pra todos os lados nessa vontade descontrolada de celebrar todas as suas referências possíveis e torna a obra levemente irregular.
Com certeza a maior qualidade do filme é o fato dele possuir um leque de acontecimentos e referências muito vasto ao mesmo tempo que usa isso praticamente sem concessões. Apresenta o plot aos poucos (não sabemos grandes detalhes sobre a trama durante boa parte do longa) e se utiliza muito bem da força gráfica dos eventos mais isolados que apresenta.
Existe uma dinâmica caótica que busca misturar tradições ao mesmo tempo que evidencia essas heranças (o slasher, o giallo, o found footage) em peças bastante expositivas e até didáticas. O filme nunca se assume, totalmente, como um desses subgêneros, mas flerta com eles de modo bastante direto.
A forma como o cineasta recusa uma abordagem mais verossímil e cria cenários que soam muito isolados uns dos outros (a casa, a delegacia, o sótão) reforça ainda mais essa dinâmica expositiva. James Wan assume muito bem essa ideia de filme de estúdio, de cada local ter a sua cenografia fake e exagerada própria. Como se o longa fosse uma espécie de simulacro dos subgêneros e menções mais icônicas do terror.
E o melhor de tudo é que, apesar de assumir essas citações clássicas, Maligno nunca deixa de lado um drama b que contamina tudo, nunca tenta higienizar essa herança (como tendem outros filmes contemporâneos que propõem citações mais diretas). Pelo contrário, existe uma obsessão em “sujar” tudo cada vez mais.
Esse excesso sem concessões, que é basicamente a alma do filme, também tem seus momentos mais aleatórios. Em um mundo praticamente sem limites, definitivamente é mais fácil se perder.
A compulsão por se reinventar – ou, de certo modo, por propor novas e novas referências – gera ótimas sequências, mas também soa um pouco genérica em alguns momentos específicos.
Especialmente a partir da metade do longa e perto do ato afinal – quando o trabalho se torna, também, um filme de ação – existem mudanças de tons bruscas e sequências mais isoladas que passam a impressão que o diretor está cumprindo um checklist de tudo o que ele gostaria de colocar em sua obra e, em certa medida, insere isso simplesmente para não perder a chance.
Isso não chega a custar o filme. É até comovente no fim das contas, ainda mais comovente para uma cinefilia mais dedicada como é a cinefilia daqueles que gostam do terror, mas é inegável que a partir de certo ponto o filme também perde um pouco a sua força devido a esse excesso desmedido.