Longa da Pixar mistura um tema profundo com uma caracterização infantil
Assim como vários filmes da Pixar, Soul não é muito bem um filme infantil. Apesar de ter essa roupagem, funciona muito bem para um público adulto. Neste caso específico, ele lida até mesmo com uma temática que pode ter muito apelo com o público adulto.
O filme conta a história de Joe, um professor de música e artista frustrado que viaja para uma outra dimensão em uma espécie de experiência de quase morte. Nesse lugar, o personagem deve ajudar outra pessoa a encontrar sua paixão.
É curioso como essa ideia da Pixar de um adulto “infantilizado” se reflete, de algum modo, até na concepção visual deste filme. Os cenários e objetos, pelo menos das cenas na Terra, possuem um aspecto bem realista e, até, detalhista de um modo exagerado.
Alguns planos-detalhe nem parecem que são de uma animação por aparentar serem muito reais. Enquanto que, a figura das pessoas possui um traço mais infantil. O que nesse caso condiz muito bem com a ideia central do filme. Essa ideia do “mundo como um lugar sério a ser decifrado”; das ruas e situações cotidianas como algo muito real a ser enfrentado por um adulto que é “infantilizado”.
No geral, a melhor coisa do Soul é como o filme lida bem com ideias mais abstratas e até existencialistas através de relações e situações cotidianas. A obra, em certos momentos, constrói uma experiência de sentidos para expressar esse seu insight principal que questiona o sentido da vida. É um trabalho que até se utiliza de um modo didático para passar a sua “mensagem principal” (uma mensagem que diz que o que importa é viver e não só buscar um certo objetivo concreto e arbitrário), mas também faz isso através de elementos sensoriais.
A cena na calçada, perto do final, explicita isso muito bem, já que é uma cena que consegue passar essa sensação apenas através das imagens. É um trabalho que lida muito bem com o que está implícito, com o que pequenos gestos e detalhes significam e, também, com o que está mais explícito. Com uma certa moral e mensagem mais explícitas.
Eu não sei até que ponto é um filme que, de fato, funcionaria com uma criança. De qualquer forma, me parece que ele quer dialogar com o espectador através dessas duas chaves: uma mais ilustrativa e literal e outra mais sugestiva – até mais “artística”. Existe essa mediação bem infantilizada, mas a mensagem é bem profunda.
É curioso como a indústria, de modo geral, tende cada vez mais a mediar esses temas mais complexos através de formatos infantis, formatos juvenis.
Por um lado, isso realmente integra elementos mais profundos e expressivos a essas obras. Mas, por outro, me parece também que o espectador está ficando cada vez mais infantilizado. Me parece que existem muitos espectadores de trinta anos que realmente buscam respostas para a sua vida em frases de efeito de filme de herói, ou de filmes da Pixar.
Com certeza tais filmes podem trazer mensagens complexas, mas eu ainda acho que existe um certo “espectador de cultura pop” que hoje está, cada vez mais, domesticado por essa infantilização.
Até me pergunto, por exemplo, até que ponto um filme como esse, se fosse narrado e filmado com atores, teria o mesmo apelo e o mesmo sucesso. Provavelmente não, já que essa roupagem infantilizada faz o filme ser mais vendável até mesmo para um público adulto.