David Lean faz do encontro uma possibilidade para o sublime.
A História de uma Mulher (1949) remete diretamente a Desencanto (1945), clássico romântico de David Lean produzido poucos anos antes. Além de Trevor Howard interpretar um papel que é praticamente o mesmo – um homem gentil e apaixonado, detentor de uma ingenuidade sempre comovente – a premissa amorosa do filme é muito semelhante ao seu antecessor.
Enquanto que em Desencanto acompanhamos um encontro apaixonado que é condenado a se desenrolar em apenas algumas semanas, A História de uma Mulher relata a paixão de toda uma vida sentenciada a breves interlúdios durante vários anos. Steven e Mary são apaixonados desde a juventude, mas, após o casamento dela, os dois vivem de alguns encontros e desencontros que o filme narra.
Ainda que lidando com esse tempo narrativo que percorre muitos anos, cada encontro dos protagonistas é marcado por uma espontaneidade muito tocante. Toda a singeleza de um casal recentemente apaixonado é conservada nesses entretempos. As cenas são de uma naturalidade muito característica. Assim como no filme de 1945, os amantes, quando finalmente se reúnem, estabelecem uma sintonia muito genuína. Um tom informal que desarma todo o entorno cerimonioso das situações cotidianas.
Quando Mary vai almoçar na casa de Steven, por exemplo, ela já estando casada e os dois separados por alguns anos, existe mesmo uma infantilidade nas ações de ambos. Uma inocência na interação com o outro. Uma serenidade que contamina seus atos. Os dois se sentem completamente realizados simplesmente pelo fato de compartilharem os mais simples instantes juntos: uma refeição, um café, a paisagem de uma janela.
Ao mesmo tempo que o filme possui essa atmosfera muito graciosa nesses momentos, ele mantém um assombro que persegue o casal. Howard, o marido de Mary, sempre soube que a esposa não o amava. Ele preserva o casamento como uma espécie de formalidade funcional. E é justamente no drama de Mary, a partir dessa situação chave em que ela se encontra, que o filme vai se debruçar.
Nisso existe uma ambiguidade muito sutil. Já que, mesmo não amando seu marido, a personagem é, de certa forma, dependente emocionalmente daquela estabilidade. Os encontros com Steven atuam como rompantes amorosos muito vigorosos, mas as circunstâncias sempre fazem com que Mary volte para o casamento. O destino, porém, atua a favor dela e ela acaba reencontrando Steven em situações ainda mais encantadoras.
Em uma viagem aos Alpes Suiços, eles se reencontram de novo. Novamente vivem momentos de intensa afeição, mas o marido de Mary, dessa vez, não a perdoa e pede o divórcio. Já que agora o próprio Steven está casado e com filhos, a personagem se encontra completamente sozinha.
É por meio dessa desolação solitária da protagonista que David Lean redimensiona o filme em uma atmosfera sombria. Em uma das sequências mais emblemáticas, Mary discute com o marido e desce para o metrô. A decupagem de Lean, que em todo filme é muito sóbria, revela uma estilização peculiar nessa sequência. Ao centralizar a cena no desespero da protagonista – um desespero calmo e passivo, claramente entregue à possibilidade do suicídio – o diretor rearticula os elementos que envolvem a personagem. A luz adquire uma tonalidade soturna e recortada. Os letreiros do metrô soam melancolicamente simbólicos.
A estação de trem – pretexto cinematográfico por excelência – é outra vez mediadora de uma circunstância significativa. Em Desencanto, ela era também possuidora de uma dualidade: expressava o encontro e o adeus dos protagonistas, onde eles primeiro se conheceram e onde eles inevitavelmente se despediriam.
Em A História de uma Mulher, o tom é mais pesado. Mary caminha para a morte na direção dos trilhos. Subitamente, é salva por seu marido. Em uma cena final de tom resignado, ainda que emocionalmente intensa, os dois reconhecem a afeição familiar do casamento como um equilíbrio inevitável que preserva suas vidas.
Os encontros com Steven, mesmo que temporariamente concretos, se tornam sempre irreconciliáveis em uma perspectiva de todo. O encontra atua como utopia, ideal inalcançável que existe perdido no tempo, idílico justamente por sua impossibilidade.
David Lean faz um filme melancólico, mas reconhece a possibilidade amorosa como um milagre casual. Uma perspectiva fascinante que redimensiona o cotidiano. Os amantes de A História de uma Mulher e Desencanto podem não ficar juntos para sempre, mas a evidência cinematográfica do seu amor, pelas mãos do cineasta, atesta a dimensão sublime desses relatos.