Christian Petzold constrói um filme de intervalos em que a ausência funciona como princípio formal e dramático
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Após sobreviver milagrosamente a um acidente de carro no interior, Laura encontra refúgio sob os cuidados zelosos de uma mulher local e sua família, mergulhando em uma rotina doméstica que mimetiza um novo lar. No entanto, à medida que os laços entre eles se estreitam e a resistência inicial dá lugar a uma estranha harmonia familiar, as feridas negligenciadas e os segredos do passado começam a emergir.
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No início, Mirrors No. 3 parece ensaiar uma aproximação com uma lógica mais onírica que remete diretamente a Cidade dos Sonhos (2001).
A coincidência dos nomes – Laura, de Laura Laura Harring e Betty, de Betty Elms – não soa casual e cria a expectativa de um filme interessado em duplicações, deslizamentos identitários e zonas de indistinção entre realidade e projeção psíquica.
Essa expectativa, no entanto, é deliberadamente frustrada. A entrada da família interrompe qualquer deriva mais abertamente onírica e reposiciona o filme em um território muito mais seco, cotidiano e anticlimático, como se Petzold recusasse desde cedo a sedução de um mistério a ser desvendado.
A partir desse deslocamento, o filme se organiza como um estudo rigoroso sobre presenças e ausências, um tema que atravessa grande parte da obra recente do diretor.

Assim como em outros trabalhos, Mirrors No. 3 é, em grande medida, um filme sobre a presença de Paula Beer e os efeitos que essa presença produz em um espaço específico. No entanto, aqui essa presença nunca se estabiliza plenamente.
A personagem parece sempre deslocada, como se estivesse contracenando com algo que não está ali. Uma ausência que não se manifesta como falta explícita, mas como uma força silenciosa que organiza a encenação.
Existe uma sensação constante de que um fantasma estrutura as cenas não pela sua aparição, mas pela sua inexistência concreta. O filme se constrói em torno dessa lacuna, fazendo com que cada situação carregue um vazio interno difícil de nomear.
As cenas parecem começar tarde demais ou terminar cedo demais, sempre capturadas em um intervalo instável entre acontecimentos que nunca chegam a se materializar. Não há clímax, revelação ou progressão dramática no sentido clássico; o que se impõe é uma sucessão de momentos suspensos, marcados por uma espera que não se resolve.
Formalmente, Petzold reforça essa sensação de incompletude por meio de uma encenação extremamente econômica. A escolha por poucos ambientes e a recusa de uma variação espacial mais ampla criam um efeito de clausura que não é exatamente opressivo, mas silenciosamente desconcertante.

Ao mesmo tempo, o filme evita qualquer tipo de estilização ostensiva que pudesse funcionar como comentário ou sublinhado dramático. Não existem movimentos de câmera enfáticos, trilhas insistentes ou composições que chamem atenção para si mesmas. Tudo é reduzido ao mínimo necessário.
Essa contenção desloca o peso dramático para a materialidade do mundo filmado. Objetos, superfícies e espaços passam a desempenhar um papel central na construção do sentido. Móveis, paredes, janelas e utensílios cotidianos não funcionam apenas como cenário, mas como portadores de uma memória muda e quase residual.
São elementos que parecem ter testemunhado algo que o filme se recusa a mostrar ou explicar. Nesse sentido, o espaço não ilustra a ação, mas a antecede e a sobrevive, carregando marcas de um passado que permanece fora de campo.
Ao frustrar expectativas narrativas e recusar tanto o mistério explícito quanto a catarse emocional, Petzold constrói uma experiência marcada pela suspensão e pela economia.
O que resta ao espectador é a convivência prolongada com uma sensação de ausência que, paradoxalmente, se torna o elemento mais concreto e fascinante do filme.
