BLUE MOON (2025): A Performance Contra o Silêncio

Richard Linklater organiza a dramaturgia de Blue Moon como um jogo contínuo entre performance, ironia e confissão

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Blue Moon acompanha o lendário letrista da Broadway Lorenz Hart na noite de 31 de março de 1943. Enquanto seu ex-parceiro, Richard Rodgers, estreia o sucesso Oklahoma!, Hart confronta a solidão e esgotamento emocional em um bar.

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O SILÊNCIO COMO ANTAGONISTA DRAMATÚRGICO

Richard Linklater estrutura Blue Moon a partir de uma intuição dramatúrgica precisa: o maior antagonista de Lorenz Hart não é uma figura externa, nem mesmo o fracasso profissional iminente, mas o silêncio.

O filme sugere que a verborragia do protagonista não se explica apenas por traços de narcisismo, vaidade ou desejo de autoafirmação social, mas por uma recusa ativa ao vazio que o silêncio impõe.

Falar, para Hart, torna-se um mecanismo de defesa. Um modo de manter em suspenso a irrupção da tristeza, do cansaço emocional e da consciência de um esgotamento que já não pode mais ser ignorado.

É a partir dessa lógica que Blue Moon organiza sua dramaturgia como um jogo contínuo entre ironia, performance e confissão.

O discurso de Hart funciona em múltiplos níveis. Ao mesmo tempo em que seduz, entretém e domina o espaço social, ele também encena uma tentativa permanente de controle da própria fragilidade.

Existe um cálculo performativo claro na maneira como o personagem conduz conversas, administra o tempo das piadas e mobiliza seu charme, como se cada frase fosse cuidadosamente posicionada para evitar qualquer brecha de introspecção involuntária.

No entanto, o filme é rigoroso ao recusar a leitura dessa performance como algo puramente superficial ou cínico. O que torna Hart uma figura dramaticamente complexa é justamente o fato de que essa máscara discursiva nunca se apresenta como inteiramente vazia.

Ao contrário, Blue Moon encontra suas zonas mais densas nos pequenos vazamentos dessa encenação. Nas pausas mal resolvidas, nos desvios de assunto, nos relatos que se anunciam como anedóticos, mas carregam sempre um resíduo de melancolia e desencanto.

A palavra, que deveria funcionar como blindagem, deixa escapar fissuras pelas quais emergem verdades íntimas, não formuladas de maneira direta, mas perceptíveis na hesitação, no excesso ou na inadequação de certos gestos verbais.

Nesse contexto, a cena com a personagem de Margaret Qualley na chapelaria assume um papel decisivo. Sua força não reside apenas no conteúdo explícito do diálogo, mas sobretudo naquilo que permanece suspenso, não dito.

Pela primeira vez, Hart parece aceitar a permanência de um silêncio mais prolongado, menos ansioso, quase resignado. Trata-se de um momento em que a verborragia cede espaço a uma escuta rarefeita e a uma presença que já não precisa ser constantemente afirmada pela palavra.

Existe, nessa escolha, uma delicada ambiguidade, já que o silêncio não surge como solução ou redenção, mas como a possibilidade, ainda incerta, de encontrar algum sentido novo na simples coexistência com o outro.

É nesse ponto que Blue Moon revela com maior clareza sua dimensão trágica e humana, ao sugerir que, para Hart, calar-se talvez seja menos um gesto de libertação do que uma última tentativa de reconciliação consigo mesmo.

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O PROTAGONISTA COMO CENTRO GRAVITACIONAL

Do ponto de vista estético, Blue Moon se constrói a partir de uma escolha que pode parecer, à primeira vista, convencional, mas que revela um alto grau de rigor e consciência formal.

Linklater adota uma encenação sóbria, sem gestos ostensivos de estilização, porém essa aparente neutralidade jamais soa automática ou preguiçosa. Ao contrário, trata-se de uma abordagem extremamente controlada na qual cada decisão de enquadramento e movimento responde diretamente à posição dramática do protagonista dentro do espaço.

Lorenz Hart é, de maneira constante, o centro gravitacional das cenas. A direção organiza os ambientes de tal forma que todos os outros elementos – personagens secundários, objetos, linhas arquitetônicas e fluxos de circulação – parecem orbitar ao seu redor.

Essa centralidade não é meramente narrativa, mas, acima de tudo, visual. O filme constrói uma percepção espacial que reforça a ideia de que Hart não apenas ocupa o espaço, mas o domina simbolicamente, ainda que esse domínio seja frágil e provisório.

A longa sequência ambientada no bar explicita com clareza esse princípio. A câmera se afasta de Hart apenas até um limite cuidadosamente calculado, como se houvesse uma recusa sistemática em perdê-lo completamente de vista.

Mesmo quando o enquadramento se abre para permitir a entrada e a circulação de outros personagens, o gesto nunca se completa. Existe sempre um retorno, um reajuste, uma reancoragem do olhar no corpo e na presença de Hart.

O efeito é o de uma vigilância contínua que transforma o protagonista em ponto de referência inevitável para a organização da cena.

A decupagem contribui decisivamente para essa sensação de controle e precisão. Linklater evita o uso meramente funcional do plano over the shoulder, tão comum em cenas de diálogo, recusando uma lógica mecânica de cobertura espacial.

Em seu lugar, privilegia planos isolados que captam reações específicas ou planos conjuntos que enfatizam a relação entre os corpos no espaço. Essa escolha cria uma percepção de convivência mais íntima em que os personagens compartilham o mesmo ambiente de forma orgânica, sem a fragmentação excessiva imposta por um esquema de montagem puramente instrumental.

Mesmo quando a cena exige apenas uma referência espacial básica entre os personagens, a blocagem é sempre pensada com cuidado. Os deslocamentos, as posições relativas e os gestos corporais nunca são arbitrários.

Existe uma atenção constante à maneira como os corpos se inscrevem no espaço e como essa inscrição reflete as tensões e hierarquias implícitas na cena.

Essa atenção se estende ao uso dos elementos cenográficos, em especial às luzes, aos reflexos e às superfícies do bar. Linklater explora esses componentes como recursos plásticos capazes de conferir densidade visual aos enquadramentos.

Vidros, espelhos e luminárias criam camadas de profundidade e duplicação que enriquecem a composição, sugerindo um espaço saturado de presenças passadas e de histórias acumuladas.

Nesse sentido, o bar se afirma como um espaço múltiplo e ambíguo. Ao mesmo tempo em que funciona como palco para os monólogos incessantes de Hart, ele se apresenta como uma espécie de arquivo vivo da memória da Broadway.

Não é apenas um local de passagem ou encontro, mas um ambiente carregado de ressonâncias históricas em que o passado permanece em suspensão, continuamente reativado pela palavra.

O filme sugere que esse espaço existe fora de um tempo claramente delimitado. Não pertence inteiramente ao passado nem ao presente, mas a uma zona intermediária, quase espectral.

É nesse contexto que o fato de Hart ser literalmente incapaz de deixar o bar adquire um peso simbólico decisivo. Sua permanência deixa de ser um dado circunstancial e passa a funcionar como imagem de uma condenação existencial.

O desfecho do filme cristaliza essa ideia com notável coerência. Ao terminar com Hart iniciando mais uma história, Blue Moon recusa qualquer sensação de encerramento ou resolução.

O que se impõe é a percepção de um ciclo interminável. Hart parece condenado a permanecer naquele espaço para sempre, aprisionado pela palavra, pela memória e pela própria performance.