CASA DE DINAMITE (2025): Abismo de Dados

Kathryn Bigelow investiga a paranoia tecnológica ao construir um thriller sem antagonistas visíveis

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Após o lançamento de um míssil não identificado contra os Estados Unidos, as autoridades da Casa Branca e militares enfrentam uma corrida contra o tempo. Eles precisam identificar rapidamente o responsável pelo ataque e decidir qual será a resposta adequada, com o risco iminente de uma escalada global ou de um desastre nuclear.

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O SUSPENSE DAS INTERFACES

Se antes Kathryn Bigelow lidava com guerras, operações militares ou conflitos sociais que se manifestavam no corpo e no espaço, aqui ela desloca esse regime de tensão para um território quase abstrato, construído integralmente sobre a opacidade das interfaces digitais.

A maior força do filme reside justamente nesse deslocamento. Bigelow ancora todo o suspense em elementos que não possuem presença material no quadro: gráficos, dados, leituras de software, mínimas anomalias que surgem como sinais de um risco maior.

A ameaça nunca se apresenta como figura concreta, mas emerge das telas, das traduções algorítmicas, do processamento silencioso de informações. O filme opera, nesse sentido, como uma espécie de thriller de interfaces no qual o perigo não atravessa portas, mas pisca discretamente em monitores e gera um estado de incerteza quase hipnótico.

Essa aposta formal cria uma experiência que se torna, por natureza, alienante e paranoica, já que a ação se desenvolve no interior das máquinas. Cada leitura de sistema funciona como acontecimento dramático e cada ruído digital como um prenúncio de desastre. Bigelow filma o processamento – e não o evento – como o verdadeiro motor narrativo.

Ao fazer isso, ela reconfigura tradições do techno-thriller. Não há aqui o fascínio pelo aparato tecnológico, mas sua fragilidade. Não a velocidade da ação, mas a ansiedade da decodificação. Não o espetáculo, mas a incerteza. A diretora transforma a espera, a dúvida e a interpretação de sinais em experiências tão intensas quanto uma perseguição ou uma explosão em seus filmes anteriores.

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COERÊNCIA VISUAL EM CONFLITO COM A ESTRUTURA

Entretanto, essa proposta formal não se realiza sem tensões. A estrutura em espiral concebida por Bigelow – avançar até um ponto crítico, rebobinar e revisitar a mesma situação por outra perspectiva – possui, em teoria, uma lógica coerente com o próprio tema do filme, que é justamente a multiplicidade de leituras possíveis diante de dados incompletos. Mas, na prática, a estratégia não se sustenta com a mesma força.

Depois de um tempo, esse mecanismo passa a soar mais como um artifício dramático do que como uma necessidade formal. A narrativa começa a operar como um jogo que se reinicia repetidas vezes e esse reinício, em vez de intensificar a tensão, acaba por diluí-la.

Existe, também, algo de quase sádico nesse prolongamento cíclico, como se o filme insistisse em atrasar seu próprio clímax. A sensação se intensifica na longa parte final envolvendo o personagem de Idris Elba, que funciona menos como desdobramento orgânico e mais como um alongamento que drena o ritmo conquistado até ali.

Mesmo assim, é impossível negar que há uma coerência estética singular no filme. Embora a diretora se aproxime cada vez mais da vibração estilística associada a Paul Greengrass – especialmente na câmera na mão e nos enquadramentos instáveis -, Bigelow consegue, aqui, depurar esse registro para algo menos óbvio.

A luz é limpa, a textura é polida, e o espaço é dominado por vidro, aço e superfícies que refletem a frieza dos sistemas digitais. Existe uma espécie de planificação asséptica que transforma os próprios ambientes em extensões visuais da lógica tecnológica que atravessa a narrativa.

A decupagem, ainda que marcada por uma câmera hesitante, não parece buscar meramente o realismo documental, mas uma intimidade nervosa com os personagens. O tremor, antes de ser um simples verniz estilístico, funciona como registro da instabilidade subjetiva: a câmera se aproxima, vibra, corrige, tenta acompanhar personagens que evitam admitir – até para si mesmos – o próprio medo.

É como se a abordagem deixasse transparecer aquilo que os personagens tentam manter sob controle: a consciência de que dependem de sistemas que não compreendem completamente.

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Casa de Dinamite é um filme ambivalente. Ele apresenta algumas ideias formais ousadas, propondo um suspense quase imaterial, alicerçado na tradução tecnológica do perigo. Ao mesmo tempo, padece de escolhas estruturais que enfraquecem sua potência dramática.

Mas, ainda assim, o filme mantém uma inquietação contemporânea rara: a percepção de que, no século XXI, os maiores colapsos não explodem, mas são processados.