UMA BATALHA APÓS A OUTRA (2025): Da Sinceridade à Caricatura

Paul Thomas Anderson transforma o discurso político em matéria estética ambígua

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Livremente inspirado em Vineland (1990), de Thomas Pynchon, o filme é um épico satírico sobre autoritarismo e o choque de gerações. Bob Ferguson (Leonardo DiCaprio), ex-ativista do grupo revolucionário French 75, vive isolado e paranoico após o fracasso da revolução, tentando criar sua filha adolescente, Willa (Chase Infiniti), enquanto sua antiga companheira, Perfidia Beverly Hills (Teyana Taylor), está desaparecida.

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ENTRE A SINCERIDADE E A ENCENAÇÃO

Existe algo bastante provocador em Uma Batalha Após a Outra, novo filme de Paul Thomas Anderson. O cineasta, conhecido por trabalhar tensões morais e psicológicas em microcosmos muito precisos – da seita de O Mestre (2012) aos sistemas de poder em Sangue Negro (2007) -, agora desloca seu olhar para o campo da política ideológica, mas sem a pretensão de construir um manifesto.

O tema surge menos como estrutura ideológica e mais como matéria maleável, usada para tensionar gêneros, tons e modos de encenação.

O que em outros autores poderia resultar em discurso direto, em PTA se converte em forma. A política aqui é uma gramática para o cinema, um campo de forças entre o gesto sincero e a farsa performática.

Nesse sentido, Uma Batalha Após a Outra é menos sobre militância do que sobre a teatralidade do engajamento, sobre como o impulso de transformar o mundo frequentemente se confunde com o desejo de se representar no centro dele.

Em alguns momentos, o cineasta parece olhar com carinho para a ingenuidade e os valores dos revolucionários; em outros, os trata como caricaturas de si mesmos.

Leonardo DiCaprio encarna essa ambiguidade com precisão. Seu personagem oscila entre o militante inflamado e o sujeito perdido em suas próprias representações – alguém que parece mais interessado em encenar um ato político do que em vivê-lo.

PTA filma esse traço com ironia, mas também com certa melancolia. A imagem de DiCaprio trancado em casa, embriagado e chapado, assistindo A Batalha de Argel (1966) como quem tenta absorver a revolução por osmose, é ao mesmo tempo patética e comovente. É o retrato de uma geração que quer mudar o mundo, mas não consegue ordenar a própria vida.

O mesmo tipo de ambiguidade se estende à personagem de Perfidia. Ela surge, por vezes, como figura fetichizada – quase uma heroína tarantinesca em que a libido e a revolta se confundem -, e em outros momentos ganha uma densidade mais autêntica.

O próprio filme sugere que essa pulsão sexual também pode ser política. Mas dentro da sua montagem pouco linear que deixa tudo em suspensão, política, fetiche e performance se misturam de forma bem ambígua.

PTA parece consciente de que todo gesto revolucionário hoje passa também pela necessidade de ser visto, compartilhado, performado. E seu cinema se aproveita dessa contradição.

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O REALISMO ENCONTRA O MONUMENTAL

Essa fluidez de registros encontra eco na forma. A montagem, de ritmo frenético, coloca os acontecimentos em permanente colisão. Gêneros se sobrepõem, tons se contradizem, e o filme se move entre o realismo documental e a estilização quase operística.

A fotografia em película, capturada com a nitidez da VistaVision, reforça esse paradoxo visual. O grão sujo e vibrante convive com uma definição quase épica. O realismo da câmera na mão se choca com o gigantismo do formato, e cada plano parece conter a luta interna entre o gesto espontâneo e a mise-en-scène monumental.

Essa contradição atinge seu ponto máximo nas sequências com Benicio Del Toro, filmadas com energia e precisão impressionantes. São momentos em que a vertigem da forma se torna a própria narrativa, como se o cinema de Anderson testasse até onde pode ir antes de desmoronar sob o peso de seu próprio virtuosismo.

No clímax, essa abordagem se depura. PTA abandona a cacofonia dos primeiros atos e reconstrói a narrativa como um duelo de western, em que carros velozes substituem cavalos e o deserto se transforma em rodovia.

A cena nas colinas, de uma clareza técnica e rítmica impecável, traduz o retorno do cineasta a uma ideia clássica de iminência e de tempo suspenso. Ao mesmo tempo, o reencontro final entre pai e filha – uma emoção contida que vinha sendo adiada ao longo de todo o filme – devolve ao espectador uma humanidade quase esquecida.

Uma Batalha Após a Outra é um longa que busca fricção. Anderson filma a política como impulso. Ora sincero, ora performático, ora simplesmente estético.

O resultado é um filme que abraça o caos contemporâneo em que o engajamento e o espetáculo, o desejo e a ideologia, o íntimo e o coletivo, já não se distinguem.

Se existe algo de realmente “revolucionário” aqui, é o modo como PTA transforma a própria ambiguidade do discurso em motor formal. É um cinema que, embora defina com clareza seu posicionamento ideológico – e o modo como traça as linhas de pensamento entre protagonistas e antagonistas reforça isso -, também pensa a partir de suas próprias contradições.