NE ZHA 2 (2025): A consolidação de um épico animado

Ne Zha 2 funde o wuxia à grandiosidade do blockbuster, afirmando a identidade da animação chinesa

*

Após uma catástrofe que destrói seus corpos, as almas de Ne Zha e Ao Bing são preservadas por meio de um Lótus Sagrado. Como tentativa de salvá-las, o corpo de Ao Bing é temporariamente fundido ao de Ne Zha. Para que Ao Bing possa ter um corpo próprio novamente, eles têm sete dias para completar três provas que podem gerar uma essência restauradora.

*

Se o primeiro Ne Zha havia revelado um potencial ainda em busca de maturidade, Ne Zha 2 se apresenta como um passo decisivo rumo à consolidação de uma estética própria dentro do cinema de animação chinês.

O filme abandona o excesso de humor fácil e o tom cartunesco predominante em seu antecessor, optando por uma abordagem mais séria e dramaticamente robusta. Essa mudança de registro é fundamental para a construção de uma narrativa que não se sustenta em fórmulas prontas, mas em ambiguidades morais que conferem densidade a cada escolha dos personagens.

Um dos méritos centrais da obra está em recusar categorizações simplistas. Os personagens não são reduzidos a polos maniqueístas de bondade ou maldade. Ao contrário, carregam contradições que tornam seus dilemas mais imprevisíveis e, portanto, mais instigantes.

Essa complexidade dramática confere frescor à trama, evitando tanto as viradas artificiais quanto os desfechos previsíveis, resultando em um percurso narrativo que prende o espectador pelo entrechoque de forças internas e externas.

Do ponto de vista estético, Ne Zha 2 demonstra um equilíbrio notável entre a liberdade da animação digital e o rigor físico das coreografias de luta. O filme explora com imaginação as possibilidades ilimitadas do meio – corpos elásticos, cenários maleáveis, câmeras que desafiam as leis da física 0 mas nunca abdica da verossimilhança do impacto.

Cada golpe, cada deslocamento, é sentido como se tivesse peso e consequência, aproximando a experiência da fisicalidade presente nos grandes filmes de artes marciais em live-action.

A cena da cachoeira com os bambus talvez seja o exemplo mais eloquente dessa síntese. A clareza espacial da abordagem estética, a precisão coreográfica e a intensidade dramática de cada movimento resultam em um momento que transcende a técnica e se torna pura experiência sensorial.

Essa sequência mostra que o filme não apenas domina a linguagem da ação animada, mas também compreende profundamente o legado do wuxia, traduzindo-o para um novo formato.

No aspecto de produção, o salto em relação ao primeiro longa é expressivo. A animação é mais fluida, os detalhes mais refinados e a direção mais segura no manejo das escalas.

O clímax do filme ilustra isso com clareza com batalhas em larga escala que preservam a singularidade de cada personagem, evitando que a encenação se dissolva em uma massa indistinta de golpes e explosões. É como se a lógica da batalha final de Vingadores: Ultimato (2019) fosse reelaborada com maior consciência de ritmo, dramaticidade e impacto visual.

Mais do que um simples sucesso de bilheteria ou um exercício de espetáculo, Ne Zha 2 representa um marco para a animação chinesa contemporânea. Ao dialogar com as convenções do wuxia e incorporar a grandiosidade do blockbuster, o filme alcança um equilíbrio raro: possui fisicalidade, rigor estético e identidade cultural própria.

Se o primeiro longa havia soado como uma promessa de futuro, esta continuação afirma-se como um ponto de virada histórico, sinalizando que a animação chinesa já rivaliza, em maturidade e inventividade, com os maiores polos do gênero no mundo.