EDDINGTON (2025): Paranoia Digital

Ari Aster revela o esgotamento da ação coletiva em tempos de espetáculo permanente

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Durante a pandemia do COVID-19. Um xerife de uma pequena cidade enfrenta a dissolução da vida comunitária em meio à polarização política e ao excesso de informações digitais. Ao tentar decifrar sinais e mensagens das redes sociais, mergulha em uma espiral de paranoia que mistura os códigos clássicos do western com a paisagem fragmentada do presente

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O WESTERN EM RUÍNAS DA ERA DIGITAL

Eddington funciona quase como um Under the Silver Lake (2018) transplantado para o clima político dos anos 2020, mas trocando as convenções do noir pelos arquétipos e códigos do western.

Se no filme de David Robert Mitchell a paranoia surgia do mapa secreto de Los Angeles, aqui ela brota do feed infinito das redes sociais e das incessantes notificações de celular.

O território a ser explorado já não é o deserto mítico, mas a paisagem saturada de sinais digitais, slogans políticos e hashtags, substituindo os mapas e trilhas da narrativa clássica.

O protagonista, ao tentar decifrar esses códigos, busca reinserir-se em um corpo social que já se dissolveu. Quanto mais lê sinais, vídeos, olhares ou slogans, mais se afasta de qualquer comunidade, isolando-se em uma obsessão sem saída.

Os elementos tradicionais do western – a lei, o duelo, o bar, a casa sitiada – ressurgem apenas como cascas, fragmentos de uma iconografia que promete ordem, mas não entrega senão procedimentos burocráticos e núcleos dramáticos sem desfecho.

O gênero, que sempre se vendeu como guardião de tradições e valores fundadores, aparece aqui em ruínas. Nem os “conservadores” conservam algo, e a autoridade do protagonista serve apenas para blindar um ego ferido.

Essa inversão do western como mito coletivo marca o tom satírico do filme, que não vê mais na política um espaço de ação comunitária, mas um teatro de neuroses individuais.

A obra captura com precisão o momento em que a polarização política alcança um grau performático, intensificado pela pandemia. Cada ato público se torna uma encenação, cada indignação um espetáculo de virtude.

A política, em vez de espaço de construção coletiva, dissolve-se em performances individuais em que cada sujeito expõe seu próprio inferno íntimo diante de câmeras e telas. O resultado é um cenário em que crises pessoais e sociais se confundem, e em que qualquer engajamento – seja à direita ou à esquerda – degenera em autoafirmação neurótica.

Nesse sentido, a proximidade com Beau Tem Medo (2023) é evidente. Assim como no filme anterior de Ari Aster, a experiência individual é diluída em um coletivo igualmente tomado por vertigens subjetivas.

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A FORMA COMO PRISÃO

Formalmente, Eddington também reproduz uma claustrofobia em grande escala. Mesmo os planos abertos, que em tese deveriam oferecer respiro ao western, estão saturados de estímulos visuais e sonoros que comprimem a tela.

O espaço nunca se abre, apenas intensifica a sensação de aprisionamento. Essa estratégia se revela com clareza na perseguição final, quando a câmera gira em torno de Joaquin Phoenix, embaralha o horizonte e transforma a paranoia do protagonista em método visual. A narrativa só existe enquanto extensão da sua obsessão, recusando qualquer distanciamento ou neutralidade.

Outro aspecto notável é o modo como dispositivos digitais – vídeos verticais, notificações, telas – se inserem na própria textura do filme. Eles não aparecem como meros adereços contemporâneos, mas como interferências que contaminam a encenação da obra e confundem as fronteiras entre experiência concreta e performance midiática.

É como se o próprio material fílmico estivesse infectado pela linguagem da hiperexposição, reforçando a impossibilidade de distinguir vida e espetáculo.

Eddington não é um filme sobre política enquanto prática concreta, mas sobre sua inviabilidade em tempos de narcisismo generalizado. Trata-se de uma sátira amarga, na qual qualquer posição ideológica, seja conservadora ou progressista, se dissolve em espetáculo de autoafirmação neurótica.

O western, outrora mito fundador da coletividade, ressurge em ruínas digitais, reduzido a palco para indivíduos que encenam sua paranoia sob os olhos vigilantes das câmeras.

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