SUPERMAN (2025): Inocência Domesticada

James Gunn propõe um retorno vibrante e colorido ao herói clássico, mas entrega um filme que suaviza seus próprios excessos

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Superman (2025) acompanha Clark Kent em seus primeiros anos como repórter no Planeta Diário, enquanto tenta equilibrar sua herança kryptoniana com sua vida humana. Em meio a ameaças globais e dilemas morais, o herói busca reafirmar os ideais clássicos de esperança, verdade e justiça em um mundo cínico e desconfiado.

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O retorno do Superman às telas pelas mãos de James Gunn prometia, de alguma forma, resgatar a vitalidade, o otimismo e a ingenuidade do personagem, em contraste com o cinismo predominante nos filmes de super-herói da última década.

Visualmente vibrante, carregado de energia juvenil e com uma premissa de esperança, o filme parecia disposto a reencantar o público com um herói que acredita inabalavelmente no bem.

No entanto, o resultado final é um filme que, apesar de boas ideias pontuais e instantes de brilho, entrega uma experiência morna, artificialmente eficiente e curiosamente desprovida da força simbólica que sua estética tenta invocar.

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UMA ESTÉTICA QUE LIMITA A SI MESMA

Um dos elementos mais evidentes do filme é a obsessão por ritmo e dinamismo. Nada pode durar mais do que o tempo idealizado. Toda emoção precisa ser cronometrada, toda ação precisa culminar em resolução, todo conflito deve ser rapidamente digerido.

Essa lógica de montagem apressada e progressão constante faz com que o filme perca densidade, impacto e, principalmente, ressonância emocional.

Mesmo as cenas que têm potencial dramático ou estilístico – como a sequência no universo compacto ou os diálogos entre Lois e Clark – parecem estar sempre submetidas a uma lógica de produtividade narrativa. Tudo precisa “funcionar”, e rápido. Mas essa necessidade de manter o público constantemente estimulado termina por desgastar o próprio efeito dos estímulos.

Visualmente, o filme começa com certo frescor. A decupagem das cenas de ação aposta em planos mais fechados e em movimentos contínuos que rejeitam uma montagem didática. Existe ali uma tentativa de romper com a clareza excessiva que marca muitos filmes do gênero, optando por uma abordagem mais sensorial e fluida. Mas essa ousadia inicial rapidamente se transforma em fórmula.

O que poderia ser disruptivo e expressivo torna-se repetitivo e inócuo. A cena no universo compacto – que parecia uma oportunidade de abraçar a iconografia dos quadrinhos com liberdade gráfica e sobreposição de planos, quase como uma colagem psicodélica – é suavizada. As possibilidades são vislumbradas, mas logo limadas, como se o filme passasse por um filtro constante de bom tom.

Essa contenção estética remete à experiência de Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (2022), de Sam Raimi: existe estilo, mas também uma domesticação recorrente desse estilo sempre que ele ameaça sair dos trilhos. O resultado é um filme que parece constantemente se conter.

As cenas de intimidade e construção de personagem padecem do mesmo problema. Há boas premissas nos diálogos entre Lois e Clark, e até um esforço sincero dos atores, mas o filme parece incapaz de confiar nos próprios momentos dramáticos. Mesmo nessas cenas, sempre existe uma câmera se mexendo demais, uma montagem apressada ou algum elemento visual dinamizador no fundo.

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UM SÍMBOLO DOMESTICADO

No centro do filme está a tentativa de revitalizar o Superman como símbolo. Sua ingenuidade, sua crença no bem e sua fragilidade emocional diante da complexidade humana são abordadas como virtudes.

Existe até uma ideia interessante: ao tentar se tornar humano, o herói revela uma humanidade mais profunda do que a nossa. Contudo, essa ideia se perde em um protagonista que raramente toma decisões impactantes e parece sempre à mercê do que o roteiro exige.

O Superman encarnado aqui é, paradoxalmente, passivo. Um herói que deveria ser o coração pulsante do filme acaba sendo seu elemento mais domesticado. Fala-se em esperança, mas a esperança é apresentada como um dado, nunca como uma conquista. Fala-se em bondade, mas a bondade não é confrontada com real conflito, apenas colocada como contraste diante de um mundo genérico.

Dentro desse quadro domesticado, o Lex Luthor de Nicholas Hoult é uma exceção notável. É o único personagem que, de algum modo, escapa da lógica funcional da narrativa. Sua atuação oferece uma camada de imprevisibilidade, com um olhar maníaco, vacilante, que esconde impulsos e recalques. Luthor, aqui, é um personagem que parece existir fora do controle do roteiro.

É irônico que o vilão seja a única figura realmente viva em um filme que pretende exaltar a vitalidade de seu protagonista.

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A ILUSÃO DO NOVO

Superman (2025) é, sem dúvida, superior à média dos filmes de herói que inundaram os cinemas na última década. Há mais cuidado, mais ideias e mais energia. Mas tudo isso está preso dentro de uma estrutura que não permite excessos, que não confia na expressividade pura e que transforma até a inocência em protocolo.

No fim, o que vemos é um filme que finge ser libertador, mas que, na prática, é tão refém das convenções quanto qualquer outro produto da máquina Marvel-DC.

Há momentos em que sentimos que algo ousado pode emergir, mas esses momentos são logo contidos. A promessa de um novo Superman está lá. Mas, por enquanto, ela ainda não se realizou.

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