SINNERS (2025): O Retorno da Imaginação Formal ao Blockbuster Americano

Entre a ação concreta e o horror metafísico, Ryan Coogler reimagina o blockbuster com ousadia rítmica e vigor cinematográfico.

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Ambientado no Mississippi de 1932, Sinners acompanha os irmãos gêmeos Smoke e Stack Moore, veteranos da Primeira Guerra Mundial, que retornam à sua cidade natal para abrir um juke joint e recomeçar suas vidas. No entanto, eles se deparam com uma ameaça sobrenatural: uma banda de vampiros liderada por Remmick, que transforma a noite em um confronto sangrento pela sobrevivência.

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No panorama contemporâneo do blockbuster americano, dominado por fórmulas repetitivas e universos compartilhados que insistem em manter um tom uniforme, Sinners (2025) surge como uma exceção revigorante.

Em vez de adotar o modelo da diluição genérica — que tantas vezes transforma o terror, o suspense, a aventura e a ficção científica em um híbrido inofensivo e domesticado — o filme aposta na tensão produtiva entre diferentes gêneros e tons.

O resultado é uma experiência audiovisual que assume riscos formais e dramáticos, ao mesmo tempo em que respeita a lógica narrativa clássica que sustenta o grande cinema de entretenimento.

Um movimento que pode remeter a outros nomes recentes que partilham dessa mesma ideia de um retorno da imaginação formal ao blockbuster americano, tais como Matt Reeves, Christopher McQuarrie, Zack Snyder, irmãs Wachowski, Kevin Costner, entre outros.

Desde sua estrutura, Sinners se revela como uma clássica, porém particular. Composta por três atos que funcionam quase como episódios autônomos — cada um com seu próprio núcleo dramático, ambientação específica e ritmo próprio — o filme se aproxima de uma construção “televisiva”, mas sem jamais abdicar da coesão estética.

Essa segmentação não fragmenta o conjunto, mas opera como um recurso rítmico-musical: os atos se sucedem como compassos de uma composição, organizados por uma lógica que não é apenas narrativa, mas também sensorial.

Há, desde o início, uma aposta clara na fusão entre ameaça sobrenatural e conflito comunitário, evocando o cinema de John Carpenter, com sua habilidade de construir atmosferas opressivas que se desdobram em confrontos físicos de intensidade concreta.

A influência carpenteriana é sentida na maneira como o filme introduz o horror não apenas como uma estética, mas como uma força de desestabilização social, algo que irrompe no cotidiano para testar a coesão de uma comunidade e expor suas fissuras.

Mas Sinners não se limita a evocações nostálgicas. Coogler emprega recursos formais que renovam esse imaginário clássico: as elipses são dinâmicas e velozes, não apenas para manter o ritmo, mas como forma de fazer o tempo narrativo pulsar em sintonia com a música, que assume um papel estrutural central.

Não se trata apenas de uma trilha sonora de acompanhamento, mas de uma força organizadora que, em muitos momentos, parece guiar o movimento da câmera e o desenvolvimento da ação.

Há passagens em que a montagem se aproxima da coreografia musical, especialmente no terceiro ato, quando o conflito entre dois grupos assume o contorno de um embate rítmico antes de se tornar físico.

A decupagem de Coogler também merece atenção especial. Em diversos momentos, o diretor opta por planos-sequência que atravessam espaços e conectam eventos distintos, reorganizando os estímulos visuais com base em um ritmo interno.

Essa fluidez reforça a sensação de que o olhar do filme não é apenas testemunhal, mas composicional: ele monta e remonta o mundo diante de nós, como se estivesse constantemente interpretando e reinterpretando sua própria realidade.

Ainda que o ato final deixe a desejar em termos de desenvolvimento do suspense e da coreografia da ação — existe um certo apressamento na resolução dos conflitos — Sinners mantém sua coerência estética e emocional.

Mesmo nos momentos de maior absurdo, jamais se permite arbitrariedade: as ações dos personagens, por mais extremas que sejam, nascem de motivações dramáticas claramente delineadas.

Esse cuidado dramatúrgico não apenas ancora a narrativa, mas reforça seu compromisso com um modelo clássico de storytelling, no qual cada gesto possui um peso, e cada consequência é organicamente derivada de uma escolha.

Em um momento em que os grandes estúdios parecem hesitar entre a repetição segura e o experimentalismo esvaziado de risco, Sinners propõe um caminho intermediário: um cinema de gênero que sabe exatamente o que quer ser, que respeita a inteligência do espectador e que redescobre o prazer de narrar por meio das imagens, do som e do ritmo.

É, em certo sentido, o tipo de coisa que a Disney poderia — e deveria — estar fazendo com suas franquias, se ainda estivesse interessada em explorar o potencial criativo do blockbuster como forma artística. Coogler, aqui, demonstra que é possível entreter e desafiar, divertir e inquietar, entregar espetáculo e, ao mesmo tempo, explorar a linguagem.

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