Erico Rassi faz da ausência da mulher o ponto central em um filme marcado pela estagnação.
*
No sertão de Goiás, dois homens abandonados pela mesma mulher entram em conflito. Inspirado em convenções do faroeste, Oeste Outra Vez acompanha o embate entre Totó e Durval em um território marcado por disputas, isolamento e violência.
*
Oeste Outra Vez (2024) não é, propriamente, um filme sobre o universo masculino, mas sobre o que resta dele diante da ausência de sua contraparte feminina.
O longa propõe, desde a primeira cena — quando a única personagem feminina abandona o carro e desaparece do quadro — uma imagem-síntese de sua lógica interna: a perda como motor formal e narrativo.
Essa cena inicial não apenas estabelece a premissa dramática, mas configura a estrutura inteira do filme, que se desenvolverá como uma lenta decomposição emocional e simbólica dos homens deixados para trás.
Mais do que explorar a figura masculina em crise, Oeste Outra Vez retrata personagens que existem unicamente em função de um vazio fundacional. Sem a presença da mulher, a unidade familiar, o afeto e até a própria linguagem se desfazem.
Os diálogos tornam-se monossilábicos ou redundantes; os conflitos, repetitivos e letárgicos. O que emerge é uma atmosfera de suspensão emocional, marcada pelo devaneio, pela bebida e pela inércia. Cada personagem parece capturado por uma força negativa, como se a ausência feminina tivesse retirado deles a própria capacidade de ação significativa.
A estrutura dramática do western é aqui subvertida com rigor. Não se trata mais de embates de honra ou de redenção moral, mas de um esvaziamento progressivo das motivações e dos gestos.
A decupagem reforça essa ideia de suspensão. A câmera utiliza zooms e panorâmicas não para ampliar o campo de ação, mas para evidenciar o desalento dos corpos em cena. Esses corpos, mesmo quando inseridos em situações clássicas do gênero, como emboscadas e duelos, permanecem emocionalmente alheios ao que ocorre.
Um bom exemplo é a cena em que um pistoleiro mata o atual marido de sua ex-esposa: embora a encenação organize a sequência com clareza funcional, a ausência de reações dramáticas transforma o clímax em um gesto automático, esvaziado de qualquer impulso mítico ou heroico.
Esteticamente, o filme inicia com um tom de sentimentalismo contido, evocando, em certos momentos, um Wim Wenders mais estetizante e meloso, mas logo se distancia dessa linha para adotar um registro mais rarefeito, que lembra o cinema de Albert Serra.
Ainda assim, Erico Rassi impõe uma assinatura própria, ancorada em um projeto conceitual sólido. Diferente de outros exemplos do cinema brasileiro recente — marcado por uma vertente antidramática que, por vezes, recusa o uso expressivo da fala — aqui o esvaziamento da atuação tem função estrutural.
A artificialidade dos gestos e das falas não é um vício, mas parte da encenação de um mundo onde a linguagem perdeu seu lastro afetivo e simbólico.
Há ecos, também, do cinema de Robert Bresson, sobretudo na maneira como os personagens parecem agir a partir de uma disparidade interior, como se suas decisões não derivassem de vontades conscientes, mas de um determinismo ontológico. São figuras que não reagem, mas apenas cumprem, como sonâmbulos, os desígnios de uma narrativa já comprometida desde sua origem.
Nesse sentido, Oeste Outra Vez pode ser lido como um western “quebrado” em que os pilares do gênero — ação, confronto, redenção — são corroídos por um estado de suspensão afetiva.
O que resta é um tempo estagnado, atravessado por um luto nunca elaborado. A ausência da mulher, longe de ser apenas uma ausência literal, torna-se uma espécie de princípio metafísico: sua partida retira do mundo a possibilidade de sentido, reduzindo os homens a fragmentos, à deriva em uma paisagem sem destino.
Em um panorama em que muitos filmes se apropriam de fórmulas já esgotadas, Oeste Outra Vez se destaca por transformar a perda em forma, o vazio em linguagem, e a desconstrução em projeto. É um filme árido, sim, mas cuja aridez serve a um pensamento cinematográfico coerente e maduro.