Clint Eastwood evidencia a falência do indivíduo e do Estado
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Um homem é escolhido para fazer parte do júri de um caso de homicídio. Durante o julgamento, ele descobre que pode estar envolvido no crime que irá julgar. Essa revelação o leva a uma crise moral e de culpa.
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UMA VISÃO LIBERTÁRIA
Algumas pessoas consideram que a atual fase de Clint Eastwood seja apolítica. Isso me parece um erro, já que seus últimos filmes possuem uma visão assumidamente libertária, no sentido de expressarem uma ideologia que questiona as funções e as instituições do Estado.
Em seus últimos longas, Eastwood demonstra uma preocupação em evidenciar a falência de certas instituições e a responsabilidade do indivíduo diante dessa realidade. Jurado Nº 2 (2024) surge como um passo além, uma evolução desse pensamento e desse olhar político.
O filme não apenas evidencia uma clara limitação da justiça como instituição, mas também problematiza sua própria existência. Os advogados, que seriam os principais agentes dessa instituição, reconhecem essa limitação de maneira explícita.
Além disso, diferentemente de certos filmes anteriores do cineasta, em que o indivíduo atuava como uma espécie de resistência ao Estado, aqui ele é tão falho quanto a própria instituição.
O filme chegou até mesmo a ser comparado a O Dinheiro (1983), de Robert Bresson, um trabalho que, junto com O Diabo, Provavelmente (1977), representa o ápice de um certo niilismo do cineasta francês: a justiça está corrompida, as instituições não funcionam, e a Igreja não oferece mais Deus (Bresson era crítico ao Concílio Vaticano II).
Esses filmes de Bresson transmitem a impressão de que as instituições não funcionam e de que o indivíduo está igualmente perdido.
Em Jurado Nº 2 (2024), essa problematização do indivíduo está presente tanto no personagem de Nicholas Hoult quanto na personagem de Toni Collette.
No final do filme, a própria personagem de Collette percebe que falhou devido à sua ambição política. Ela começa como uma pessoa envolvida nos meandros do Estado e da instituição, mas percebe que errou ao se preocupar mais com sua carreira política do que com qualquer outra coisa.
Existe, portanto, uma ideia de culpa que perpassa os dois personagens, uma ideia de indivíduos falhos que não encontram uma solução.
O filme não apresenta uma resposta para o dilema que expõe, pois seu intuito, assim como nos outros filmes de Clint Eastwood, é mostrar as evidências do dilema propriamente dito. Em As Pontes de Madison (1995), por exemplo, não há uma solução para os dilemas da instituição do casamento. O filme apresenta o dilema, e o espectador deve lidar com ele.
A grande questão política do cinema de Clint Eastwood é que ele nunca é panfletário. Ele nunca defende um lado ou uma ação específica que possa solucionar os problemas do mundo. Ele apresenta as fragilidades das instituições, que são, em essência, conservadoras, e transfere a responsabilidade para o indivíduo.
Essa visão de que o mundo trará problemas, de que não existe uma solução ideal para tudo, de que as instituições falharão e de que o indivíduo precisa assumir a responsabilidade por seus atos é uma visão bastante libertária.
A questão central de Jurado Nº 2 (2024) é: qual é o custo disso? Para o personagem de Hoult, assumir essa responsabilidade significaria perder sua família. Para a personagem de Toni Collette, significaria perder sua carreira. Os dois estão em lados diferentes, mas enfrentam o mesmo dilema.
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SUTILEZA CLÁSSICA
Em termos estéticos, é interessante como, apesar de Jurado Nº 2 (2024) ser um filme de tribunal, ele nunca se torna um drama de câmara, nem claustrofóbico ou totalmente tenso.
O filme tem momentos de tensão e suspense, mas não se alonga em cenas extensas. No geral, é uma obra ágil e econômica. Poderia se aprofundar mais nos debates entre os jurados, mas opta por ser direto ao ponto, transmitindo sua mensagem com situações que começam e terminam de forma precisa.
Esse dinamismo pode ser mérito do roteiro, que aparenta ser bem escrito nesse aspecto. No entanto, além do que está no texto, o ritmo da encenação e da montagem também contribuem para essa assertividade.
Isso evidencia a experiência de Clint Eastwood e seu domínio de uma linguagem clássica. O diretor situa o espectador na cena em pouquíssimo tempo e transmite as informações de maneira precisa.
O filme também apresenta escolhas estéticas que podem parecer meramente funcionais, mas que revelam sutilezas específicas, derivadas de um método clássico.
Boa parte da decupagem, por exemplo, baseia-se em planos de reação, nos quais o personagem em cena não pode demonstrar explicitamente o que está sentindo para não se entregar. No entanto, sua expressão contida, sua atuação e o enquadramento da câmera já transmitem suas emoções.
Os planos de reação de Nicholas Hoult durante o julgamento são exemplares nesse sentido. São enquadramentos em que o personagem tenta não demonstrar nada, busca se conter, mas, mesmo assim, o espectador percebe sua emoção reprimida.
O mesmo ocorre com Toni Collette. No desfecho, ao descobrir a verdade sobre o possível envolvimento de Justin (Nicholas Hoult) e receber a sentença do caso, sua reação resignada é extremamente reveladora.
A forma como Clint Eastwood organiza os personagens no quadro é determinante nesses momentos. Durante o julgamento, além de closes precisos no protagonista, o diretor enquadra Justin com o advogado de defesa à sua frente, utilizando um ângulo de câmera mais baixo, o que acentua a tensão da cena.
Embora não seja um filme esteticamente virtuoso de maneira evidente, suas escolhas visuais são sutis e eficazes na construção da tensão e do drama clássico.
Essas escolhas revelam emoções que os personagens tentam conter e, nesse ponto, há uma junção muito bem-sucedida entre o talento do elenco e a decupagem precisa de Clint Eastwood.
Jurado Nº 2 (2024) é um filme que aparenta simplicidade e, em certo sentido técnico, realmente é. No entanto, sua assertividade narrativa e estética é complexa e refinada, demonstrando um grande controle da linguagem cinematográfica.