Apesar de boa premissa, A Substância se entrega a uma lógica de estímulos constantes que destrói qualquer sentido dramático
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Uma apresentadora de TV, vivida por Demi Moore, é demitida após anos de sucesso. Ela decide, então, usar uma droga misteriosa que cria uma versão mais jovem de si mesma.
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UM FILME FRENÉTICO E VAZIO
A Substância (2024) tem uma premissa interessante e até propõe uma evolução curiosa da sua trama. O grande problema é que, em termos de direção, o filme não apresenta uma unidade e constrói suas cenas tendo como base uma busca frenética por estímulos imediatos e vazios.
Quase todas as cenas são decupadas de apenas dois modos:
Closes e planos detalhes com efeitos sonoros ao estilo mais cool e adolescente de Réquiem para um Sonho (2000).
Ou planos gerais e médios que buscam um tom asséptico que, pretensamente, conduziriam uma crítica àqueles espaços impessoais, mas, na prática, parece que saíram de algum ensaio de moda malvadinho artsy de tão genéricos que são.
No começo do filme, existem elementos isolados interessantes. Principalmente quando o filme se foca de modo um pouco mais calmo no cotidiano da protagonista e trabalha com uma atmosfera misteriosa que remete a A Estrada Perdida (1997).
A presença de Demi Moore é forte e a atuação lânguida dela ajuda no desenvolvimento desse clima. Antes da personagem se descontrolar e do filme ficar mais aleatório, Moore se apropria muito bem da sua persona para compor esse retrato de alguém que possui uma fixação pela beleza como uma espécie de condição patológica.
A cena da personagem no espelho se maquiando várias vezes e tirando a maquiagem, por exemplo, é das poucas que conseguem intuir um drama que não soa forçado.
O problema é que mesmo esses momentos são pontuais e quase tudo é destruído pela montagem à Aronofsky e os efeitos sonoros espertinhos. Em alguns momentos, é realmente irritante como a montagem estraga uma boa reação de Moore só para manter tudo em movimento.
O tom caricato de algumas situações no desenvolvimento do filme poderia funcionar, mas ele claramente não acredita naquilo e trata tudo com a devida distância. A caricatura não nasce de uma aceitação dos códigos de cinema B, mas é colocada como uma ridicularização forçada daquele entorno.
No final, tudo piora muito. O filme tenta propor uma caracterização radical e um olhar existencialista, mas nunca deixa de lado a sua abordagem picotada e não oferece tempo para as suas questões se estabelecerem.
A cena de Demi Moore ouvindo a entrevista de Sue é um bom exemplo. É um momento que parece que foi montada por um usuário de Tik Tok, já que o estímulo vazio é mais importante do que qualquer sentido dramático.
Gradualmente, o filme também usa a falta de realismo mais como desculpa para não lidar com aspectos básicos de causa e consequência do que como uma escolha conceitual legítima.
A montagem final com o monstro e o sangue é tenebrosa. O trabalho se dá várias liberdades que vão para vários lados justamente porque não consegue elaborar uma experiência de desconstrução com uma unidade. A cena com o monstro no ano novo é o ápice da natureza aleatória do filme.
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O BODY HORROR COMO UM FETICHE
É uma pena ver uma premissa com uma personagem e história tão boas ser desperdiçada por essa abordagem. Infelizmente o filme pega todas as referências que tem de cinema de gênero e mastiga através de uma desconstrução aleatória.
Se compararmos A Substância com outro filme que oferece uma perspectiva feminina sobre tradições icônicas do terror, como A Bruxa do Amor (2016), de Anna Biller, esse falta de método fica bastante evidente.
Biller de fato aceita os aspectos menos apelativos do gênero que trabalha e lida com aqueles exageros e caricaturas de modo muito mais aberto e nada distanciado.

A Bruxa do Amor (2016) – Anna Biller
Enquanto Biller constrói o drama (e também a comédia) do seu filme a partir de uma relação franca e nada cínica com tradições do terror, Coralie Fargeat trata o body horror como um fetiche para construir vislumbres de imagens que dialogam com esse subgênero apenas a partir de uma lógica rápida e vazia, sempre mediadas por um imaginário de aparência conceitual.
O conceito de Fargeat até poderia ser baseado em um paralelo entre distorção de imagem e distorção de corpo, mas isso nunca é executado a partir de um método. Apenas a partir de um joguinho hiperestimulante que pensa cada plano como um impulso isolado sem qualquer busca dialética que vá gerar um resultado a partir desse choque entre imagens.