Longlegs concilia apelo sensorial do terror contemporâneo com convenções do suspense
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A agente do FBI Lee Harker, interpretada por Maika Monroe, é convocada para investigar o caso não solucionado de um assassino em série misterioso. Na medida em que o caso evidencia ligações com o oculto, a protagonista descobre que possui uma conexão pessoal com o criminoso.
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AS DIMENSÕES NARRATIVA E SENSORIAL
Até existem alguns vícios do fatídico “pós-horror” contemporâneo — ou o que ficou comumente conhecido por esse termo duvidoso — em Longlegs.
Principalmente na construção sonora cavernosa que soa levemente forçada e na estética sóbria que, em alguns momentos pontuais, quer parecer mais profunda do que é. Mas, no geral, é interessante como ele é um filme mais direto ao ponto do que boa parte dos filmes de “terror cult” que andam surgindo por aí.
O fato de ser um longa investigativo obriga o elemento sensorial a encontrar resoluções práticas que dialogam com convenções do suspense. O que faz com que o filme não explore o lado sensorial de modo vazio e, no lugar disso, ofereça uma evolução desse elemento abstrato.
A divisão em três atos da obra funciona muito bem nesse sentido. O longa começa bastante prático e literal. Quando chega na metade, explora um teor psicológico e sugestivo. E, no final, junta a resolução narrativa do suspense com o elemento experimental do terror.
Nesse ponto, a evolução narrativa e a evolução sensorial caminham juntas até uma espécie de catarse que está mais relacionada ao plot twist do que à figura de Nicolas Cage propriamente.
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UMA ESTÉTICA QUE ISOLA A PROTAGONISTA
Esteticamente, é interessante como a divisão do filme entre os flashbacks e o tempo presente possui escolhas técnicas distintas, mas que se conectam ao longo da narrativa.
No tempo presente da narrativa (anos 90), o filme usa uma janela scope e é gravado em digital, enquanto que nos flashbacks usa uma janela 4:3 e é filmado em película. Ainda assim, esses momentos se intercalam de modo natural durante a montagem.
O fato do fotógrafo não puxar muito o grão da película com certeza ajudou nessa harmonia com a gravação em digital, mas provavelmente o que preserva essa unidade é a mesma noção de decupagem e planos gerais que todas as sequências compartilham.
As imagens, sejam elas do tempo presente ou do passado, partem geralmente de um ponto de vista amplo com planos gerais, porém sempre escondem o essencial.
Nas sequências que se passam nos anos 90, a decupagem lembra muito um filme como Caçador de Assassinos (1986), de Michael Mann. Principalmente em como usa a arquitetura dos cenários e locações para isolar a protagonista ao mesmo tempo que sugere uma presença misteriosa nesses espaços.
O fotógrafo e o diretor usam muito bem lentes de distância focal curta — eles chegaram a usar lentes de 12mm em planos dentro do carro — para passar a ideia de uma personagem desolada e de um espaço que a oprime. A distorção dos cantos que a lente cria também ajuda em um teor expressionista contido que a obra busca.
Nas sequências que se passam nos anos 70, os planos gerais lembram os filmes de Roy Anderson. Ainda existe um aspecto sombrio e uma limitação do olhar devido à janela 4:3, mas as formas em cena estão preservadas, menos distorcidas, e a organização de todos os elementos soa como a composição de um álbum de fotografias familiar.
A opção pelo VHS na primeira vez em que Nicolas Cage aparece por mais tempo é bastante interessante. A cena dos agentes do FBI assistindo ao VHS gera um contraste curioso que dialoga com o imaginário geral do filme.
O mundo real e presente, nesta cena, é visto a partir do olhar distanciado e clínico do digital, enquanto o mal, limitado à pequena tela da TV, é uma espécie de interferência na imagem, de mau sinal analógico que invade aquele ambiente controlado.
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REVELAÇÕES DO FINAL
Em relação ao final, existe a impressão de que é só ali que o filme de fato revela o seu tema. Ou, pelo menos, torna ela mais evidente.
A personagem da mãe da protagonista e o próprio Longlegs já estavam presentes desde o início, mas a relação entre os dois transforma o filme em uma obra sobre os perigos que já se encontram no seio familiar. Essa ameaça, de certo modo, já estava presente naqueles espaços. Nós apenas não conseguíamos perceber tal presença.
Muito da ideia do personagem de Cage e da sua conexão com o ocultismo nasce da relação dele como uma entidade que invade espaços controlados e sagrados das famílias. Mesmo o método de invasão, usando a freira como uma espécie de cavalo de troia do demônio, tem um aspecto blasfêmico criativo.
Curiosamente, no final, a personagem da mãe se torna mais interessante que o serial killer propriamente. O fato do filme não explorar tanto assim a figura de Cage no final pode ser bem decepcionante para alguns (especialmente para quem seguiu os vídeos promocionais da Neon), mas é interessante como a resolução propõe um certo equilíbrio entre todos os personagens.
É algo que até ressignifica algumas cenas do começo e explica o sexto sentido da protagonista como um possível efeito colateral dessas relações próximas com o ocultismo. Não é um plot twist gratuito, ele de fato fecha, ou complica no bom sentido, um arco emocional da personagem com o seu passado.