A Comédia Autoral de Jerry Lewis

Jerry Lewis foi um dos cineastas que melhor trabalhou com a comédia a partir de uma abordagem autoral. Ele se destacou, principalmente, por levar em conta aspectos da linguagem do cinema na construção de suas obras e não apenas seguir um modelo industrial vazio.

Lewis soube utilizar com maestria a evolução tecnológica do cinema, explorando cores, aspectos do vídeo, estruturas complexas de filmagem e diversos efeitos de linguagem em seus filmes.

Em seu livro A Imagem-Tempo, Gilles Deleuze faz uma espécie de histórico da comédia burlesca e coloca Lewis como um artista que é parte essencial dessas heranças ao mesmo tempo que tende a expandir conceitos clássicos para uma dimensão mais desconstruída e tecnológica.

Neste artigo, iremos comentar sobre o período em que Lewis começou a dirigir seus próprios filmes na Paramount, nos anos 60. Essa fase é considerada uma das mais icônicas e autorais de sua trajetória.

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MENSAGEIRO TRAPALHÃO (1960)

Mensageiro Trapalhão (1960)

O primeiro longa-metragem dirigido por Jerry Lewis foi Mensageiro Trapalhão (1960). O filme não possui uma história definida, apresentando uma série de situações envolvendo um mensageiro de um hotel de luxo em cenários pitorescos e levemente absurdos.

A simplicidade do filme, com suas gags diretas e visuais, remete muito à comédias do cinema mudo. Apesar de ser um filme falado, as piadas são resolvidas de maneira visual, explorando a relação de Lewis (que só fala na cena final) com os espaços e situações.

Esse filme, de certa forma, é uma síntese da carreira do diretor e ator, pois apresenta elementos que ele desenvolveria em obras posteriores, incluindo uma metalinguagem com sua própria figura e situações absurdas que remetem a desenhos animados.

O filme não se preocupa em criar uma narrativa dramática, concentrando-se nas possibilidades cômicas que o ambiente do hotel oferece. As cenas são coreografadas com precisão, como na sequência em que Lewis, atuando como ele mesmo, sai de cena e retorna como o personagem do mensageiro

Lewis foi um dos primeiros cineastas a utilizar o video assist, um sistema que permitia visualizar o enquadramento durante as filmagens, o que lhe dava maior controle sobre sua performance e direção. Algo que foi essencial durante a produção desse longa.

Apesar de parecer um filme “menor” em comparação com outros trabalhos, Mensageiro Trapalhão (1960) é essencial para entender a essência do cinema de Jerry Lewis.

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TERROR DAS MULHERES (1961)

Terror das Mulheres (1961)

No ano seguinte, Lewis lançou Terror das Mulheres (1961), um filme que segue um processo mais complexo e experimental.

A história gira em torno de um jovem que, após ser rejeitado por sua pretendente, decide renunciar ao amor das mulheres. No entanto, ele começa a trabalhar em uma pensão habitada apenas por jovens garotas, criando uma relação de dependência e afeto com elas.

Esteticamente, o filme é bastante único. Lewis construiu um cenário de três andares dentro dos estúdios da Paramount, permitindo que a câmera, com o auxílio de uma grua, transitasse entre os espaços como se o espectador estivesse assistindo a uma peça de teatro.

Os cenários são coloridos e histriônicos, com espelhos vazados que reforçam a bidimensionalidade das figuras. A movimentação das personagens é coreografada de maneira rigorosa, quase como em um musical.

Enquanto Mensageiro Trapalhão (1960) focava na comédia física e minimalista, Terror das Mulheres (1961) introduz uma mediação do ambiente sobre o corpo dos personagens.

O filme apresenta situações irreais, como um animal de estimação que alterna entre ser um cachorro e um leão, e cenas contemplativas, como a descoberta de uma dimensão misteriosa em um quarto proibido.

É um trabalho com um humor simples e direto, mas sensorialmente cheio de surpresas.

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MOCINHO ENCRENQUEIRO (1961)

Mocinho Encrenqueiro (1961)

Também lançado em 1961, Mocinho Encrenqueiro mostra Lewis como um ajudante geral de um estúdio de cinema, contratado para investigar por que o estúdio está perdendo dinheiro. No entanto, ele acaba atrapalhando todos os departamentos.

O filme utiliza os diversos espaços de um estúdio de cinema para criar situações cômicas isoladas, ao mesmo tempo que ironiza a idealização do cinema, revelando, por exemplo, que uma atriz bonita é dublada por outra pessoa.

O humor físico de Lewis é integrado a uma desconstrução do espaço, como na cena em que ele entra em cenários de filmes sem querer.

Apesar do foco ser a comédia, o filme também apresenta momentos emotivos, como a interação do personagem de Lewis com uma figura misteriosa no departamento de arte.

Lewis consegue desenvolver seu protagonismo, mostrando que não é apenas um personagem cômico, mas alguém com múltiplas dimensões, incluindo uma fragilidade e sensibilidade particular.

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O PROFESSOR ALOPRADO (1963)

O Professor Aloprado (1963)

Em 1963, Lewis lançou O Professor Aloprado, talvez seu filme mais famoso. A história parodia O Médico e o Monstro, mostrando um professor de química que cria um soro milagroso que o transforma em um homem atraente, mas que acaba saindo do controle.

Diferente de seus outros filmes, que são mais focados em gags, Professor Aloprado (1963) segue uma trama mais clássica, com um apelo dramático e uma continuidade narrativa.

Esteticamente, o filme mantém o olhar histriônico do diretor, com cenários coloridos e personagens exagerados. A direção é rigorosa, com planos sequência e um trabalho cuidadoso com a profundidade de campo.

O filme também destaca o timing cômico de Lewis, especialmente nas cenas em que o professor, transformado em galã, engana as pessoas ao seu redor.

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O OTÁRIO (1964)

O Otário (1964)

O Otário (1964) é um filme que mostra uma equipe profissional em busca de um substituto para um comediante falecido. Eles encontram Stanley, um mensageiro de hotel interpretado por Lewis, e decidem transformá-lo em um astro da comédia. O filme é uma continuação indireta de Mensageiro Trapalhão (1960), com o mesmo personagem.

A direção de Lewis aqui é mais sofisticada, com uma decupagem clássica e planos bem compostos. O filme trabalha com a evolução das gags, começando com situações simples e evoluindo para cenas mais absurdas e destrutivas.

Uma das cenas mais marcantes é um flashback sem diálogos, em que Lewis resolve tudo com sons e efeitos sonoros, demonstrando seu domínio da linguagem cinematográfica.

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