OS OBSERVADORES (2024): Olhar em formação

Ishana Shyamalan propõe uma visão pessoal sobre tradições clássicas do terror

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Uma jovem se perde em uma floresta na Irlanda. Enquanto procura por abrigo, ela fica presa com três pessoas em uma espécie de redoma em que são observados por criaturas misteriosas todas as noites.

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RELAÇÕES AMBÍGUAS COM O REAL

Desde as primeiras cenas de Os Observadores (2024) existe uma ambiguidade sutil em relação a aspectos da realidade.

O modo como Ishana Shyamalan prioriza planos fechados e limita a profundidade de campo de quase todos os planos quando abre o filme com a rotina da protagonista cria uma sensação instigante de alienação através dessa restrição do olhar.

No geral, a decupagem dela lembra muito a decupagem de alguns filmes recentes de M. Night Shyamalan, principalmente Batem à Porta (2023), pelo uso direcionado do foco e pelos planos fechados que recortam os espaços. Nas cenas que se passam em ambientes urbanos, os espaços raramente existem na sua totalidade.

Essa constante ambiguidade que torna até mesmo a casa da personagem um local suspeito lembra, também, elementos de Fim dos Tempos (2008). O fato da protagonista viver fantasias em que finge ser outras pessoas reforça a ideia, igualmente, de que o seu próprio mundo não é 100% confiável.

Quando Mina entra na redoma com os outros personagens, percebemos uma abordagem visual mais clara, já que a organização dos elementos ali atua como um palco que responde apenas ao eixo do espelho/janela, porém o efeito de duplicação do espelho também torna tudo sugestivamente irreal.

Mesmo que os duplos gerados pelo espelho sejam, simplesmente, reflexos comuns de um espelho comum, a diretora explora muito bem o efeito deles a partir de uma ideia de suspense.

Quando a personagem de Dakota Fanning interage com o seu próprio reflexo, temos a impressão de que a figura no espelho é realmente outra pessoa.

Um efeito que a alta resolução da fotografia digital realça muito bem, já que o sensor da câmera tende a tornar as duas figuras, quando bem iluminadas, muito cristalinas sem fazer tanta diferenciação entre elas.

Até o ato dos personagens se exibirem para as criaturas se torna um ato ambíguo através do espelho. Como se eles, na verdade, estivessem se autoexaminando e a redoma servisse como um lugar em que todos são obrigados a olhar para dentro de si e enfrentar as suas neuroses através desse movimento de duplicação.

Quando os personagens saem da redoma, o filme passa a remeter mais a ideias e convenções de um terror clássico do que a um filme de M. Night Shyamalan propriamente. Principalmente em como a obra se torna mais dinâmica, menos especulativa e nunca deixa de lado a construção caricata das criaturas e outros elementos que apresenta.

Toda a história envolvendo o professor Kilmartin estudando fadas e a cena dos personagens fugindo de barco remete, até mesmo, a certos filmes de John Carpenter. A trama flerta com a ideia de uma aventura sombria clássicas com fases e obstáculos que surgem e nem sempre se explicam totalmente.

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A RESOLUÇÃO DA TRAMA

A parte final possui ótimas ideias, mas o filme poderia ter uma maior concisão. A resolução é boa e é interessante o fato do clímax acontecer em uma casa comum com uma presença sobrenatural e não na floresta, mas, no geral, a diretora quis tratar de vários temas ao mesmo tempo e acabou se enrolando.

Não é nada que afete a qualidade do trabalho, mas tira um pouco do seu impacto final. O plot twist funciona e faz muito sentido, mas mesmo o twist parece que foi um subplot adicionado depois para o filme ter mais apelo.

O longa até tenta relacionar o plot twist com os acontecimentos anteriores e, seguindo a dinâmica dos filmes do pai, a diretora mostra novamente esses acontecimentos agora que o espectador possui essa informação, mas parece algo levemente forçado.

De toda forma, Os Observadores (2024) é dos poucos filmes recentes de gênero que consegue conservar uma caracterização old school com o terror — nisso sim Ishana possui um toque bem pessoal — e, ao mesmo tempo, ser bastante contemporâneo e criativo com o seu trabalho com a câmera e montagem.

O melhor de tudo é que ele dialoga pouco com tendências atuais, seja as do “terror elevado” ou as mais gráficas. No lugar disso, propõe um olhar próprio sobre referências pessoais: o cinema do próprio pai e, possivelmente, um terror clássico que passa por nomes como John Carpenter e Tobe Hooper.