O MENINO E A GARÇA (2023): A realidade do eterno

Em seu filme mais maduro, Miyazaki explora o fantástico como uma forma de purgação do luto

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Após a morte de sua mãe durante a Guerra do Pacífico, um garoto de 12 anos se muda para o campo quando seu pai se casa novamente. Durante seus primeiros dias nesse novo ambiente, eventos misteriosos levam o protagonista a um mundo fantástico em que ele deve lidar com seu luto.

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CURAR O REAL ATRAVÉS DO FANTÁSTICO

O Menino e a Garça pode parecer um filme convencional de Hayao Miyazaki, ainda mais considerando o modo que ele trabalha com aspectos temáticos e formais bem recorrentes da sua filmografia.

Mas a maneira que a obra se foca na essência mais dolorosa da ideia base de purgar o real através do fantástico transforma o filme em um dos mais maduros do cineasta.

Além das questões da morte e do luto, é interessante como o filme usa a figura, agora, de um protagonista masculino, para tocar na questão da violência tendo a guerra como fundo implícito.

A primeira reação do garoto ao ser confrontado com a garça é matar o animal, como se isso já fosse instintivo daquela formação e daqueles tempos. Um ato que funciona, também, como uma espécie de vingança pessoal contra a natureza de um mundo que o decepcionou.

Na medida que ele vai se emaranhado por dimensões fantásticas na sua jornada, ele vai assimilando uma relação entre ordem e desordem, vida e morte, amor e dor, e outras dualidades que fazem parte de um equilíbrio essencial da existência.

Reflexões que irão ajudá-lo a curar a sua crise com o mundo, já que, devido a esses encontros, ele é obrigado a encarar o luto de sua mãe a partir de uma perspectiva sobrenatural.

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A REALIDADE DO ETERNO

As dimensões do fantástico por quais o personagem se perde (e também se encontra) nunca atuam como o oposto da natureza do real, mas são a sua essência divinizada que evidenciam esses novos conceitos.

O filme trabalha com uma definição metafísica em que a realidade das coisas, na verdade, é aquela em que tudo é eterno. O mundo natural só existe como uma ramificação do mundo sobrenatural.

A figura da mãe é uma espécie de manifestação transcendental dessas ideias, agora implícitas na figura de uma imagem familiar que surge durante a jornada do garoto por aquela outra dimensão.

Uma mãe, diga-se de passagem, totalmente tarkovskiana em sua caracterização familiar e semblante carismático. Não é por menos que, dada essa relação do filme com a memória que é centralizada em uma figura materna, essa obra seja uma espécie de O Espelho (1975) versão Miyazaki.

No final do filme, a mãe sabe que se voltar para a sua realidade irá morrer no incêndio, mas também dará luz ao seu filho. Entende que o milagre da vida é mais importante, ou igualmente essencial, que a inevitabilidade da morte.

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MINUCIOSIDADE ESTÉTICA

As imagens de Miyazaki encontram, igualmente, um amadurecimento que dá conta de tudo isso. No primeiro ato, a simples relação do garoto com o espaço físico é tratada com muita minuciosidade. O voo da garça é um acontecimento entre a sutileza e o inesperado.

Quando o garoto está nos outros mundos, o modo como todas as matérias e elementos nascem e se desfazem com a mesma naturalidade (algo bastante presente em vários dos seus filmes) é também abordado com esse cuidado que torna toda pequena ação um ato de graciosidade.

A maneira como as formas simulam um aspecto verossímil, mas, ao mesmo tempo, apontam para uma plasticidade e uma maleabilidade muito cara à animação 2D, é explorada em um nível muito profundo. A cena do incêndio, no começo, também lida muito bem com isso.

O grande diferencial dos filmes de Miyazaki e, de modo geral, do próprio Studio Ghibli, é como as obras conseguem assimilar esse aspecto único da animação 2D com uma visão de mundo em que todo aspecto do real é contaminado por algum elo com sagrado e com fantástico.

Desse modo, a construção das cenas é baseada em figuras e elementos que, aparentemente, são reais e concretos, mas que a partir de um simples gesto ou movimento se desmancham em novas possibilidades da forma.