BABILÔNIA (2022): Inevitabilidade do tempo

Damien Chazelle coloca a nostalgia como um elemento prático em filme sobre a evolução do cinema

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Eu não acho que Babilônia (2022) funciona muito bem quando tenta compor um retrato escandalizador dos bastidores de Hollywood. Mas, em compensação, o filme de Damien Chazelle é certeiro quando compõe um retrato melancólico sobre o que foi, talvez, a curva de aprendizado mais impiedosa de Hollywood: o advento do som.

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O RETRATO HIGIENIZADO

Tudo o que envolve o contexto imoral e excessivo daquela elite, no filme, me parece forçado e sem tom. É uma abordagem que possui a intenção de ser crua e grotesca, mas o diretor nunca consegue se segurar e acaba estilizando ou higienizando tudo. Até os momentos com vômitos ou planos que mostram pessoas depois de uma overdose são “bonitos”.

Existe ali uma intenção bem interessante em integrar tudo aquilo a um aspecto absurdo e grandioso, como se os bastidores fossem um reflexo sombrio e invertido daquele imaginário dos sonhos, como se aquelas pessoas que encenam os sonhos dos filmes vivessem um pesadelo de deturpação moral, porém, ironicamente, nada soa realmente pesado.

Tudo parece uma brincadeira ou uma sketch bem montada. O virtuosismo técnico obsessivo de Chazelle também não ajuda. A primeira sequência da festa na mansão, além de não funcionar nesse sentido grotesco, é cheia de planos-sequências que soam mais vaidosos do que propriamente eficientes ou com algum objetivo dramático e expressivo mais forte.

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UMA ESTRUTURA DESCENTRALIZADA

Já quando o filme mostra os aspectos práticos da produção dos filmes e localiza esse contexto do advento do som, praticamente tudo funcioa comigo.

Até o virtuosismo técnico, que sai daquela contemplação besta e vai para um lado mais caótico com toques de comédia, funciona bem. E, de modo geral, o trabalho ganha muito por seguir uma estrutura narrativa descentralizada que remete diretamente a cineastas como Paul Thomas Anderson e Robert Altman.

Como o filme nunca se centraliza em apenas um drama, e até faz dessa alternância obsessiva entre sequências o seu grande apelo convidativo e dinâmico, a obra consegue propor algo que é mais sobre aquele entorno do que sobre aquelas pessoas.

Nesse sentido, Babilônia (2022) rejeita a masturbação sentimental e autocentrada que estava presente em La La Land: Cantando Estações (2016).

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A NOSTALGIA COMO UM ELEMENTO PRÁTICO

Os personagens, agora, são colocados mais como uma consequência daquele ambiente do que como criadores ativos de algum grande e novo significado. A trajetória do personagem de Brad Pitt, principalmente, dialoga diretamente com essa efemeridade, com esse aspecto cíclico de que, como diz a personagem de Jean Smart, ele é apenas mais um em meio a tantos outros atores que chegaram a um fim.

Além disso, todo o arco da personagem de Margot Robbie também possui esse curso padrão de uma estrela em ascensão e depois em queda. Enquanto que o personagem de Diego Calva, por sua vez, ainda que possua um papel ativo, é tratado como um observador daqueles percursos e transformações.

Então, de modo geral, as relações dramáticas funcionam mais como uma consequência daquele ambiente e contexto e menos como uma reiteração sentimental imposta pelo roteiro. A boa sacada aqui foi tratar a nostalgia não como uma imposição emotiva, mas como parte de uma história muito prática sobre o cinema.

A melancolia vem mais das consequências desse contexto do que de um diretor que quer parecer sensível. O modo como tudo no filme evolui não depende dessa paixão e, no geral, remete muito a uma força destrutiva do tempo. O que inclui referências bem diretas a Boogie Nights – Prazer sem limites (1997), principalmente em como os personagens vão se perdendo a partir daquele sonho inicial.

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A MONTAGEM FRENÉTICA

A montagem do filme, quando lança mão de um método que se alterna entre cenas de modo quase obsessivo, periga se tornar previsível em alguns momentos. Diferente de Paul Thomas Anderson, que se baseia muito mais numa certa temperatura dramática para cortar, Chazelle baseia os seus cortes em ações práticas e aspectos concretos das ações em cena.

Algo que, em certos momentos, pode soar meramente videoclíptico, mas são problemas bem pontuais que ele parece ter certa noção. Quando as coisas começam a soar mecânicas, ele passa para outra dinâmica dramática ou faz cenas que funcionam de modo isolado.

Inclusive, existem ótimas cenas longas isoladas. Todo aquele momento da Nellie LaRoy no set gravando com o microfone pela primeira vez segue essa dinâmica de uma montagem que vai se acelerando de acordo com as ações práticas da cena ao mesmo tempo que constrói uma tensão em prol desse objetivo final da filmagem dar certo.

Nessa cena, o diretor centraliza seus esforços em um só ambiente sem perder o aspecto dinâmico. Outro ponto positivo é que ele também trabalha muito bem com um senso de comédia e drama nesses momentos. Até o modo como alterna entre planos fixos e câmera na mão nessa cena da equipe se debatendo, sem nunca bagunçar a decupagem, enfatiza essa alternância e mistura de tons.

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O CINEMA COMO UMA META COLETIVA

Talvez a principal e mais positiva diferença de Babilônia (2022) com La La Land: Cantando Estações (2016) é que, devido a essa descentralização, os personagens nunca agem isolados e apenas baseados numa crença romantizada do que é o mundo.

Eles agem, como essa cena com o microfone mostra, juntos e de modo muito mais prático. Eles trabalham para uma meta comum (para que os filmes sejam realizados) e não se alienam (pelo menos não totalmente) na própria busca.

Claro que cada um possui o seu ego, seu lado vaidoso e objetivos pessoais, mas eles sabem que para qualquer coisa ser concretizada, deve existir esse equilíbrio não somente entre as pessoas no set, mas mesmo um equilíbrio “milagroso” do acaso para que tudo dê certo.

Nesse ponto, o filme representa muito bem esses momentos de milagre de um set. Momentos em que tudo parece perdido e depois tudo se encaixa sabe-se lá como. É um êxtase coletivo próprio desse ato criativo em conjunto de uma gravação. Ainda que, simultaneamente, também mostra o contexto precário para se atingir isso.

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O SACRIFÍCIO DE UMA GERAÇÃO

Me parece que até a legitimidade do cinema como uma forma de arte é bem debatida pelo filme.

Em certos momentos, o longa usa o personagem de Brad Pitt para pensar nas origens “marginais” do cinema, de como era visto (e naquela época ainda era) como uma arte menor que as artes tradicionais justamente por manter um diálogo mais direto com pessoas que não fazem parte de uma elite. O monólogo de Pitt sobre isso com sua terceira esposa é bem revelador.

Mesmo que sejam atos criativos pouco romantizados e postos com certa ironia (como a relação da personagem de Margot Robbie com sua diretora, interpretada pela Olivia Hamilton), existe um impulso criativo que se mistura com uma fúria por tudo dar certo.

Babilônia (2022) é um filme que tenta fazer justiça aos esforços dessa geração que, em partes, foi perdida devido ao advento do som. Não porque não tinham talento, mas porque tiveram que ser a geração a se adaptar a todo uma nova possibilidade de linguagem e novas convenções. É um filme sobre esse sacrifício.

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A EVOLUÇÃO DA LINGUAGEM

O epílogo com Manny indo ao cinema talvez tenha como objetivo mostrar essa evolução da linguagem como uma espécie de recompensa final. Algo que a montagem que o próprio Chazelle insere depois, com cenas de filmes antigos e contemporâneos, também vai atestar e dar continuidade.

É interessante como essa montagem final não tenta intelectualizar nada. Ela, inclusive, segue uma dinâmica ingênua de supercut de youtube que se limita a aspectos fascinantes mais superficiais na sua relação com os trechos que mostra.

Filmes experimentais e industrias, independentes do seu contexto, fazem parte dessa mesma força expressiva do cinema. Além disso, a escolha das obra revela que são filmes que, de um modo ou outro, foram representativos para essa evolução técnica e artística do cinema.

Claro que não é uma montagem simples, já que junta planos de obras diferentes de modo muito natural, mas é uma montagem quase infantil pela maneira que evidencia um certo fascínio primordial e uma relação afetiva com o cinema.

Uma montagem que lembra até a sensação daquelas montagens antigas da rede Globo de quando o canal apresentava os filmes que iria exibir na temporada. Mesmo que anunciando obras muito diferentes, todas as imagens se mesclavam num amálgama de novidade e êxtase nessas chamadas.

A evolução do cinema, em Babilônia (2022), é um tema que não funciona como mero fetiche nostálgico, mas evidencia a inevitabilidade do tempo em uma arte que se desenvolve com uma velocidade fora do comum.