TRIÂNGULO DA TRISTEZA (2022): Retrato jocoso

Ruben Östlund rejeita grandes teses sociais e faz boa comédia escrachada

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UM RETRATO JOCOSO

Todas as possíveis críticas sociais que Triângulo da Tristeza (2022) evidencia são bastante óbvias. Porém o diretor parece ter bastante consciência disso e se foca mais no escracho do que em uma exploração complexa das suas ideias.

Ruben Östlund apresenta essas ideias, apresenta essas “críticas”, e não demonstra nenhuma intenção de ir muito fundo nelas.

Ele deseja, antes de tudo, examinar as aparências disso a partir de uma abordagem jocosa que já é parte da natureza daquele mundo. O filme é uma espécie de Bacurau (2019) dirigido pelos irmãos Farrelly

Todas as sátiras que Bacurau (2019) propõe ao imperialismo e a uma classe dominante também ficam nessa caricatura. O casal de sulistas, por exemplo, poderia estar nesse cruzeiro. O problema é que o filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles tenta ir mais fundo se baseando em um apelo emocional fraco de “bom x mau” e não em uma construção dramática própria.

A boa sacada do Östlund é que ele nem tenta fazer isso e fica só na superfície. O filme apresenta as suas ideias e explora o absurdo das situações que vão se renovando. Não é, para ficarmos em outro exemplo, como Yorgos Lanthimos, que quando tenta fazer sátiras sociais mais ácidas vai mediar tudo por um atmosfera de estranheza para soar profundo e complexo.

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UMA ABORDAGEM ESPIRITUOSA

O que mais me incomodava em um filme como Força Maior (2014) era essa distância e estranheza imposta. Ali sim existia até uma covardia do diretor em nunca mostrar de fato o que desejava e deixar tudo “implícito”.

Agora ele concretiza o que quer sem meias palavras. Não tenta ser mais profundo do que consegue e, a melhor parte, se diverte nessa abordagem espirituosa. A cena do burro, por exemplo, me parece uma referência muito mais a ligada a Eu, Eu Mesmo e Irene (2000) do que a um cinema cult.

Também não vejo sentido nas comparações com Parasita (2019), que é um trabalho que, propositalmente, concebe a sua sátira a partir de uma mistura de gêneros bem mais dinâmica e até dramática.

O drama em Triângulo da Tristeza (2022) está completamente submisso à sátira. Os personagens não são verossímeis, são construções exageradas das ideias que representam.

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A REJEIÇÃO DE UMA GRANDE TESE

Não acho que a estrutura do filme funciona totalmente, principalmente porque ele começa com uma abordagem austera que, aí sim, remete a essa estranheza e joguinhos implícitos que me incomoda. Mas na medida que vai se livrando disso, sendo a sequência do iate o ápice, tudo melhora.

Mesmo que o último ato não seja perfeito, eu gosto de como o longa trabalha com uma progressão do tempo e usa as elipses para reforçar um aspecto absurdo dos personagens estarem se acostumando com tudo aquilo.

A decupagem também passa bem essa sensação de uma abordagem direta que não quer trabalhar com tanto subtexto. É uma decupagem que não tenta inventar muita coisa e baseia quase tudo em planos médios muito claros e objetivos que prezam pela reação dos personagens.

Claro que, querendo ou não, o trabalho pode ser visto como um filme cult de sketches. Ele segue esse modelo de cenas isoladas que já possui uma certa segurança por natureza, já que não precisa ligar tudo de forma tão orgânica, mas na essência me remete mais a uma comédia norte-americana do que a um filme que quer construir uma grande tese.

Ou talvez, em alguma medida, ele misture essas duas coisas muito bem. E, nesse movimento, funciona também como uma sátira a própria ideia de um filme arthouse (seja direta ou indiretamente).