OS BANSHEES DE INISHEIN (2022): O clássico e o absurdo

Martin McDonagh humaniza seus personagens sem nunca soar ilustrativo

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O que eu mais gosto nos filmes de Martin McDonagh é como ele lida com histórias absurdas e moralmente ambíguas, mas sempre consegue tirar algum traço de ternura dos personagens.

Boa parte dos personagens de seus trabalhos possuem algo reprovável (alguns mais e outros menos) e a relação com o espectador é sempre inconstante quando existe esse julgamento entre as intenções e ações de cada um deles.

Algo que poderia tornar os filmes uma bagunça, mas é justamente essa indefinição que reforça o caráter humano de todos.

Mesmo que Pádraic, o protagonista de Os Banshees de Inisherin (2022),seja a vítima da história, ele mesmo age de modo suspeito, mente e é impulsivo. E mesmo que o Colm seja o vilão, ele possui uma aura convidativa e benevolente.

É um filme que lida constantemente com o risco de soar como uma grande metáfora forçada, mas nunca se entrega a um discurso edificante ou ilustrativo nesse sentido.

Mesmo quando trata do tema entre ações ordinárias cotidianas que, teoricamente, não deixariam um legado, e ações extraordinárias artísticas que seriam lembradas, ele é bastante natural. E na verdade trata isso (essa “mensagem”) de modo bem pontual enquanto se foca muito mais nas consequências práticas da situação absurda que propõe.

Na minha cabeça, talvez seja o tipo de filme que um diretor como Yorgos Lanthimos deveria fazer. Enquanto a comédia absurda é muito bem explorada (até mesmo com as suas consequências extremas), existe uma elegância na evolução da trama que torna tudo mais expressivo.

Existe até uma reverência a uma abordagem clássica – a decupagem bem objetiva e que flui muito bem sem grandes alardes atesta isso – que humaniza o filme ainda mais, que torna os seus aspectos absurdos quase naturais.

Claro que a pegada de Lanthimos é quase que o oposto (ele gosta de evidenciar as coisas, tematicamente e formalmente), mas como eu gosto da premissa dos seus longas (e não tanto da execução), sempre tive vontade de assistir algo dele dentro dessa abordagem.

Essa perspectiva clássica também reforça a ternura nos personagens. Existe uma aproximação que torna cenas simples mais expressivas sem que nada seja exagerado.

Coisas como Pádraic com os animais dentro de casa para não se sentir sozinho ou como o personagem de Barry Keoghan se declarando para a personagem de Kerry Condon ganham um peso muito especial.

Além de tudo, gosto de como a proposta explora um aspecto teatral sem perder essa naturalidade. Existe um espaço muito interessante para os atores se colocarem em situações pouco convencionais, ainda que explorando apelos dramáticos bem básicos e fundamentais.

E o fato dos cenários se repetirem e terem poucos elementos (ainda que bem reveladores) também ajuda a enfatizar essa presença do elenco como um aspecto central.