EO (2022): Fragmentos e sensações

Jerzy Skolimowski propõe equilíbrio ideal entre experimentação e narração ficcional

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A REJEIÇÃO DO ESTILO BRESSONIANO

No começo, confesso que eu achei que EO (2022) fosse para um lado genérico de “filme videoarte” que não se preocupa com uma estrutura ou uma ideia de progressão.

Formalmente falando, o longa está mais perto de um trabalho de Gaspar Noé do que do estilo de Robert Bresson, diretor de A Grande Testemunha (1966), a obra que serviu como inspiração para Jerzy Skolimowski nesse seu novo trabalho.

Porém, mesmo investindo muito nesse aspecto plástico e sensorial, Skolimowski propõe um rigor que gera uma dinâmica de encadeamentos narrativos e experimentais que está sempre progredindo.

Não é aquela progressão austera e densa de Bresson – inclusive, acho que a pior abordagem aqui seria propor uma comparação direta com A Grande Testemunha (1966) -, é algo até inusitado e com situações inesperadas que adquirem um valor simbólico e estético bem particular.

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A VOCAÇÃO NARRATIVA

Mesmo que as situações narrativas sejam curtas e que os personagens tenham pouco tempo de tela, elas possuem aspectos próprios que dialogam com uma certa variedade de culturas diluídas no território europeu, além de uma hostilidade implícita nesse mesmo contexto.

Em algum sentido, EO (2022) é um filme mais sobre a Europa do que sobre o burro.

Ainda que a sua base estilística parta dessas experimentações pictóricas envolvendo o uso de lentes, enquadramentos fechados, profundidade de campo limitada, variação de luzes e toda a decupagem livre de modo geral, os fragmentos narrativos são bem diretos e possuem apelos específicos que, inclusive, vão dialogar com gêneros populares (da comédia ao drama familiar).

Acho até que o sucesso do filme se deve um pouco a isso. Ele possui momentos de respiro bem dosados durante as experimentações e nunca vira um fluxo de piração interminável.

Não que Skolimowski torna o filme, necessariamente, mais “fácil”, ou torna as experimentações mais brandas (elas são até bem radicais em algumas cenas), mas é inegável que ele impõe um ritmo convidativo no modo em que as situações dramáticas surgem e em como o aspecto narrativo dispara uma experimentação oportuna.

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O DIÁLOGO ENTRE EXPERIMENTAÇÃO E NARRAÇÃO

Esse é um tipo de diálogo de igual para igual entre experimentação e narração ficcional que eu sinto falta. Até podemos pensar em alguns paralelos com Terrence Malick, Gaspar Noé e talvez Carlos Reygadas, mas as situações dramáticas aqui são trabalhadas de modo muito específico e nunca soam como uma desculpa visual

Ao mesmo tempo que elas servem como pano de fundo e disparam as experimentações, possuem um tom comovente ou um suspense bem trabalhado.

A cena com Isabelle Huppert, já próxima do final, é um bom exemplo. A pouca informação sobre a personagem e a situação que ela encena nunca impede que o diretor coloque o drama e a sua construção tensional, mesmo que momentaneamente, como o centro da cena.

Talvez a grande diferença para um filme de Gaspar Noé, ou até para um filme da fase genérica de Malick, é que Skolimowski aqui trata a experimentação e a narração dramática com o mesmo apreço.

A experiência que fica, ao final, é inevitavelmente mais experimental. Porém, ainda assim, é indiscutível que as tramas pontuais contribuem muito para que o filme cause as suas reflexões (sejam temáticas ou sejam relacionadas ao seus gêneros narrativos) de modo bem potente.

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