Ainda que tenha bons momentos na sua reencenação, filme se perde em tom didático
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A FORÇA DO DISCURSO
Eu até acho interessante o modo como Argentina, 1985 (2022) evoca o terror e a violência da ditadura muito mais através do discurso e de uma ideia de testemunho do que de uma exploração possivelmente mais gráfica.
Isso faz com que a sequência do julgamento tenha bons momentos, já que os depoimentos, justamente por não serem ilustrados, têm sua autenticidade reforçada e ganham uma força dramática particular.
Mesmo a fotografia com cores bem saturadas e momentos estilizados se distancia de uma aparência de “filme sombrio e realista” que a obra poderia cair. Então, no melhor dos casos, o diretor escapa de algumas armadilhas.
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UMA ABORDAGEM GENÉRICA
Ainda assim, toda a dinâmica dramática e toda a construção da maioria das cenas é um misto de best of de cinema genérico de Hollywood com minissérie da Rede Globo.
O longa se foca muito mais em frases de efeito e situações isoladas que, em alguns casos, até possuem uma força independente (principalmente no ato final), mas a sua estrutura como um todo mantém um mesmo tom morno e televisivo.
Até a parte do julgamento, principalmente, o filme é genérico em praticamente tudo o que tenta fazer. Me parece que quanto mais o diretor quer tornar o longa dinâmico na sua primeira metade, mais comum é a sua abordagem com o tema.
Quando a equipe começa a coletar as provas, por exemplo, o tom do filme promete algo complexo e minucioso que, no fim das contas, é resolvido com algumas elipses fáceis e cenas ilustrativas. Tudo nessa primeira metade soa como uma narrativa apressada e preguiçosa que só quer chegar na sequência do julgamento.
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A REENCENAÇÃO DO JULGAMENTO
As cenas do julgamento realmente são as melhores e, sendo assim, destoam de boa parte do resto do longa. São momentos impactantes principalmente pelo modo que o filme consegue conciliar uma ideia de reencenação histórica com um aspecto espontâneo e emotivo na atitude dos personagens.
As possíveis ilustrações do que é narrado ficam apenas na imaginação do espectador. Algo que, ao mesmo tempo que funciona como um respeito às vítimas, também evidencia o fato de que algumas brutalidades se tornam até mais pesadas quando não ganham uma representação específica.
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UM CINEMA DE “BOM GOSTO”
No geral, assim como em boa parte desse cinema argentino contemporâneo de “qualidade”, muita coisa me soa mais calculada do que expressiva. Eu nem tenho tantos problemas com os vícios Hollywoodianos e gosto quando o cinema latino-americano investe em formas narrativas tradicionais.
O problema é quando você se utiliza desse aparato narrativo sem propor uma ressignificação, sem integrar uma identidade própria que é cara ao seu tema.
Aqui nem tudo está perdido porque Santiago Mitre, nos seus melhores momentos, explora bem a presença de uma parte do elenco e tem os seus acertos no tom emotivo de alguns testemunhos. Mas é inegável que, no saldo final, ele também se filia a um certo cinema de grife que preza por concepções bem corriqueiras de beleza e eficiência.