AFTERSUN (2022): A minuciosidade do registro

Charlotte Wells propõem relação meticulosa entre a atuação do elenco e a textura das imagens

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Aftersun (2022) é um filme que remete a várias tendências do cinema contemporâneo pós anos 2000 e, até mesmo, a alguns truques de filmes arthouse de festivais. Algo que, no começo principalmente, me gerou muita desconfiança.

Mas na medida que o longa segue com suas cenas, esse artifício vai se apagando. Ao invés de usar as escolhas formais como um elemento estilístico impositivo que, nos piores casos de obras semelhantes, nos diz o que sentir da maneira mais óbvia possível, a diretora estabelece um bom equilíbrio entre uma estética de cinema de fluxo e um trabalho extremamente minucioso com a atuação.

As pequenas ações, hesitações e entonações de voz incorporam uma iminência muito interessante nas cenas. Existe esse aspecto banal e cotidiano, essa sensação de que nada acontece, que é sempre subvertido por algum mistério que nunca fica claro, por sensações não ditas que se escondem em gestos e olhares.

O que me remete muito a algumas definições de microfisionomia do teórico Béla Balázs, principalmente quando o autor fala sobre cinema mudo. Apesar de Aftersun (2022) ser um filme com som e ter diálogos, parece que existe uma outra obra em que essa minuciosidade das imagens e das ações acontece.

Pensando nisso, a maneira como o 35mm é usado foi essencial para atingir esse efeito. A película traz uma materialidade maior para a textura do filme que dialoga diretamente com essa ideia de uma realidade muito tangível mas, ao mesmo tempo, distante.

O filme é como um sonho em que tudo é extremamente claro e palpável no momento em que acontece, porém se desfaz no tempo e no espaço uma vez que a cena termina. Algo que Philippe Garrel também trabalha muito bem nos seus filmes e no seu próprio uso da película, só que em uma chave bem mais sombria.

Eu dispensaria todas as cenas conceituais. Gosto muito da questão da mini-dv, até porque vai dialogar diretamente com essa ideia do 35mm criar uma realidade ambígua enquanto o digital insere o elemento realista e distorcido, mas todas as outras cenas que flertam com um aspecto experimental (a pista de dança, a personagem adulta) só me tiraram da dimensão presente do filme.

São cenas que até atestam essa ideia de uma representação se desfazendo, mas aí sim me parece um movimento arthouse meio óbvio. De toda forma, não é nada que vá afetar a experiência como um todo.