ADEUS, CAPITÃO (2022): Registro de um luto

Filme equilibra abordagem lírica e histórica ao expor o legado do “capitão” Krohokrenhum

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Adeus, Capitão (2022) lembra, de alguma forma, Cabra Marcado Para Morrer (1984).

Não só pelo fato das entrevistas funcionarem como um testemunho evocativo que remete aos trabalhos de Eduardo Coutinho mais do que os outros filmes de Vincent Carelli poderiam remeter, mas também pela própria figura de Carelli funcionar como uma espécie de mediador afetivo entre os personagens ao longo dessas décadas.

O capitão parece que olha para Carelli com um misto de tristeza e felicidade, já que ele representa, simultaneamente, um passado esperançoso e um presente desolador.

Vincent Carelli representa, também, essa possibilidade e necessidade do registro, seja dos momentos bons ou ruins. A presença dele é um marco no sentido afetivo e pragmático para aquelas pessoas e aquele contexto.

E é incrível como o próprio Carelli e a Tatiana Almeida (também diretora do filme e montadora fundamental) propõem uma estrutura na montagem que é capaz de evidenciar esses aspectos.

O filme pode parecer um documentário prosaico à primeira vista, mas o modo como tudo é organizado dentro de um equilíbrio em que esse tema não será nem romantizado demais e nem apresentado de modo impessoal é muito cuidadoso.

Eles poderiam ter feito um ensaio de luto muito mais subjetivo ou uma obra de denúncia mais impositiva. No lugar disso, dosam muito bem esses aspectos.

E além de evidenciar dados históricos de uma violência e exploração direta, também contextualizam a violência simbólica envolvida nos tratados burocráticos da tribo com as empresas e instituições do estado.

Até o tempo que os cineastas dão para cada sequência ou material de arquivo é muito bem pensado nesse sentido, visto que é um filme que poderia ter ido para vários caminhos para tentar dar conta de tantos anos de registro e de história.

Apesar dos dados objetivos estarem bem colocados, a obra sempre prioriza um aspecto espontâneo dos encontros e das conversas. Nunca vai paro lado de “filme de cientista”.

Pelo contrário, assim como nos outros longas de Carelli, a câmera é colocada como um dispositivo que vai tornar aquela jornada concreta do seu nível mais elementar (o registro como prova material) ao mais íntimo (o registro como representação de uma dedicação e de uma amizade).