PINÓQUIO (2022): Boneco e ícone

Diretores alcançam equilíbrio sutil entre fantasia e realidade

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É interessante como o filme de Guillermo del Toro e Mark Gustafson enfatiza algumas ideias de adoração. A aproximação com o catolicismo e até o fato da aparência do Pinóquio remeter mais a uma figura de madeira do que a um menino durante todo o filme (ele não usa roupas e sempre permanece com o corpo de madeira aparente) reforça a ideia do personagem mais como um ícone do que um humano.

Claro que toda a dinâmica das cenas vai humanizar os seus atos, mas existe uma caracterização rústica na abordagem dos diretores que traz algumas camadas sombrias e ambíguas.

O stop motion dialoga muito bem com isso. A técnica faz com que as figuras humanas também tenham essa aparência de bonecos. Então, de alguma forma, todo o ambiente é repensado em uma abordagem pouco realista que lembra uma ilustração infantil levemente sinistra.

A sequência com os garotos da juventude fascista é uma das melhores nesse sentido. Ela mistura essa estética infantil e sombria com um tema pesado, mas lida bem com isso sem parecer óbvia ou pretensiosa. Existe até uma ideia dos garotos como bonequinhos em treinamento enquanto o Pinóquio, o boneco-ícone, humaniza aquele contexto e traz uma ideia de companheirismo.

Um dos maiores problemas que eu tenho com os filmes do del Toro é como ele sempre tenta trabalhar com temas humanistas e acaba lidando com aspectos de bem e mal de forma muito superficial. Ou toscamente metafórica.

Agora, ele encontra um equilíbrio interessante quando assume o mundo fantasioso como uma ameaça e, ao mesmo tempo, uma esperança, sem precisar impor funções específicas para tudo. Até os elementos assumidamente sobrenaturais das figuras do purgatório e de outros momentos pontuais são mais ambíguos.

Me parece até que as escolhas estéticas possuem uma unidade maior se comparadas aos seus outros filmes.

Nos outros trabalhos, os aspectos dos cenários e da caracterização acabam se sobressaindo e centralizando muito a atenção. Aqui, ele busca um equilíbrio naturalista bem cuidadoso. O cineasta realmente deseja simular uma realidade própria e não enfatizar os seus aspectos meramente excêntricos.