Alejandro Iñárritu desconstrói sua personalidade de maneira pasteurizada e autoindulgente
*
Eu não tenho problema algum com o fato de Alejandro González Iñárritu realizar um filme tão autocentrado como Bardo (2022). Até acho bem interessante o modo como ele tenta se livrar de algumas convenções, ou de aspectos dramáticos mais apelativos, para construir uma narrativa livre que, assumidamente, coloca a sua própria figura em primeiro plano.
De algum modo, o cineasta tenta rejeitar elementos que o próprio cinema dele já reverenciou. Até a maneira que subverte alguns elementos verossímeis – ou pelo menos não faz deles um apelo central para a experiência toda – poderia ser visto como uma possível evolução na sua carreira.
O grande problema é que Iñárritu, basicamente, não propõe nada no lugar dessas convenções. Pior ainda, ele substitui esses apelos por apelos tão pasteurizados quanto.
O que não é verossímil, se transforma em uma abordagem irreal metafórica e ultra ilustrativa à Charlie Kaufman. O que não é melodramático, se transforma em um tom absurdo que prefere comentar sobre tudo do modo mais cínico e infantil possível.
Mesmo a fotografia, que aqui é pretensamente mais realista e menos estilizada, se resume a uma concepção sub-Emmanuel Lubezki.
Vários ambientes possuem uma iluminação genérica (estão porcamente chapados), nada possui uma textura e o uso da grande angular parece coisa de vídeo institucional de empresa. É realmente bizarro perceber como o Darius Khondji, dos maiores fotógrafos em atividade, se meteu nessa cilada.
O filme, pretensamente, quer se valer de uma pegada sensorial e aberta, mas tudo o que ele propõe, dos diálogos aos acontecimentos políticos distópicos do pano de fundo, vem carregado de algum comentário ou “crítica” ultra didática e óbvia. Parece um filme que alguém faria para satirizar uma crise existencial do própria Iñárritu.
Toda desconstrução é, na verdade, um jeito de se evitar o comprometimento com uma unidade. E ele ainda tenta se blindar disso usando o discurso do apresentador de TV que critica o seu trabalho como uma autoindulgência. Ele é paternalista com si mesmo, o que é meio vergonhoso no fim das contas.
O sentimento de culpa que guia o filme até parece bastante legítimo, ainda mais levando em conta todo o sucesso dos outros trabalhos do diretor. Mas simplesmente falta uma maturidade e até uma humildade para lidar com isso.
O modo como, durante as impressões do protagonista, ele tenta justificar a sua escolha de morar em Los Angeles soa, ao mesmo tempo, compreensível, e também meio escrota quando caracteriza o México como esse local exótico e isolado.
Existe, claro, uma crítica a essa visão americanizada, mas às vezes parece que ele mesmo se utiliza dessa ambiguidade para lidar (de maneira confusa) com alguns sentimentos contraditórios em relação ao seu país.