Filme preserva a ingenuidade da série ao mesmo tempo que atualiza a sua caracterização
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Em comparação com Shin Godzilla (2016), Shin Ultraman (2022) possui uma pegada ainda mais retrô nos efeitos especiais e até nos acontecimentos. Ele propõe um diálogo mais direto com uma identidade visual “brega” dessa tradição, mas ao mesmo tempo nunca vai para o caminho de um filme B ou de algo propositalmente irônico. É, na verdade, bastante contemporâneo e objetivo.
Uma abordagem que talvez tenha nascido desse equilíbrio autoral bem dosado entre Shinji Higuchi (o diretor) e Hideaki Anno, que está envolvido na produção, roteiro, montagem e não deixa de ser o mentor principal desses projetos de tokusatsu contemporâneos.
Com certeza esse equilíbrio particular é a maior qualidade do filme. O longa consegue preservar essa ingenuidade da tradição que reverencia, consegue se utilizar de aspectos bem excêntricos na sua caracterização, mas sempre com uma roupagem contemporânea que não vai, digamos, higienizar ou abrandar aquilo.
No lugar disso, o filme irá de fato propor uma atualização visual com um olhar próprio que mantém essa aparência ingênua e pouco realista.
Em algum sentido, me lembra a lógica do George Lucas com o projeto de Star Wars. Principalmente em como Lucas, do mesmo modo, buscou uma ingenuidade das obras seriais de Flash Gordon dos anos 30 e renovou aquela identidade sem a necessidade de torná-la mais verossímil.
São cineastas que conseguem concretizar o seu entusiasmo com a tecnologia e com estruturas narrativas mais dinâmicas ao mesmo tempo que mantém essa inocência pela fantasia. Mesmo que a trama também remeta a alguns elementos de Shin Godzilla (2016) e até a um interesse de Hideaki Anno por questões como a burocracia e as relações interpessoais de instituições do estado, aqui até mesmo o plot integra uma dinâmica mais retrô.
A presença de Zarab e dos outros seres de outros planetas cria um contraste bem interessante entre a impessoalidade dos corredores e escritórios dessas instituições com as figuras macabras. O fato de Zarab atuar como esse articulador político sociopata rende algumas das melhores cenas do filme. O absurdo dos acontecimentos ou da caracterização nunca afeta a solenidade das situações envolvendo a burocracia governamental.
A influência de Anno parece bem pesada, também, na decupagem, já que o filme segue aquela dinâmica característica de propor planos com composições estilizadas que nunca são repetidos na montagem.
O trabalho quase nunca volta para o mesmo plano e a montagem segue uma linha obsessiva em ir redescobrindo o ambiente. Além disso, as composições em que os objetos de cena são maiores que os personagens também dialoga muito bem com a ideia do aparato burocrático engolindo tudo e todos.
É como se tudo fosse decupado seguindo a abordagem da cena do escritório do longa Velho e Novo (1929), de Sergei Eisenstein e Grigoriy Aleksandrov.
E o fato dos planos buscarem uma atração específica por esses ângulos inusitados remete, igualmente, a algumas ideias do cinema de Sergei Eisenstein. Ainda que a lógica de confronto entre esses planos, aqui, seja bem menos violenta, já que eles vão radiografando o ambiente de modo mais contemplativo.
Shin Ultraman (2022) é um ótimo exemplo de um filme que se utiliza de elementos afetivos envolvendo o seu tema e a sua tradição (principalmente pelo uso dos efeitos visuais e sonoros), mas nunca apela para uma nostalgia fácil. Uma verdadeira aula em tempos de refilmagens caça-níqueis.