THE FIRE WITHIN: A REQUIEM FOR KATIA AND MAURICE KRAFFT (2022): O destrutivo e o singelo

 Werner Herzog propõe uma reflexão sobre olhar científico e olhar poético

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Uma das melhores coisas dos documentários de Werner Herzog, principalmente de seus documentários sobre pessoas ou temas específicos, é que, nos casos mais inspiradores, ele sempre encontra um belo equilíbrio entre objetividade e sugestão.

Ele apresenta o contexto do seu tema de modo didático, algo que para algum desavisado pode até ser confundido com uma obra mais convencional à Discovery Channel em um primeiro momento, mas se utiliza dessa exposição muito mais como um convite para o espectador se fascinar com o que mostra do que como uma tentativa de compreensão final daquilo.

The Fire Within, e a vida dos Krafft, se adequa muito bem a esse método. Principalmente pelo fato do tema já possuir essa relação instigante entre ciência (olhar objetivo) e registro espontâneo (olhar subjetivo). Não é por menos que quando o filme começa a se apropriar de modo mais livre das imagens cotidianas que os Krafft fizeram, ele remete aos trabalhos de Chris Marker.

Marker era um cineasta que flertava muito bem com esse lugar de suspensão das situações que apresentava. Um cineasta que, como poucos, conseguia expressar uma certa ingenuidade no modo em que a câmera revelava o espaço à sua volta.

Querendo ou não, este é um filme sobre como não se tornar um cineasta pode tornar alguém um cineasta ainda melhor, já que o poder dessas imagens está, justamente, em um aspecto bruto e espontâneo delas. Algo que também dialoga com aquele ideal que Jonas Mekas descrevia quando dizia não se considerar um filmmaker na essência do termo.

Mesmo quando Herzog tenta juntar planos de uma mesma situação a partir das imagens registradas pelo casal, existe sempre uma descontinuidade entre as cenas que evidencia esse aspecto rústico e, consequentemente, legitima ainda mais o material dentro dessa dimensão de um registro singelo.

Até os planos que soam estilizados e com composições plásticas mais cuidadosas não parecem, exatamente, buscar um olhar artístico óbvio. Essas imagens grandiosas atuam como uma espécie de epifania que é disparada pela magnificência natural dos ambientes. E, definitivamente, a textura 16mm da câmera dos Krafft também ajuda na concepção desse mundo que soa distante no ponto certo.

Me incomoda um pouco o uso impositivo das músicas em um momento ou outro – talvez até porque inconscientemente eu comece a comparar com o modo que Chris Marker resolve a ausência de som direto de maneira mais inventiva no jogo onírico do desenho de som que propõe em alguns filmes – mas não é nada que afete a força do longa.