DEAD FOR A DOLLAR (2022): Nostalgia contida

Walter Hill rejeita tom épico ao reverenciar o western clássico

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É muito difícil, atualmente, encontrar um western que vá priorizar aspectos práticos do gênero sem tentar estabelecer uma conexão mitológica com essa tradição. Ou ainda, sem propor homenagens épicas e, nos piores casos, pseudoestilizadas.

Claro que qualquer western, hoje, querendo ou não, será um filme sobre o western. Qualquer inocência inicial já se mostra impossível por toda a trajetória histórica do gênero, mas é interessante perceber como Walter Hill foi capaz de fazer um filme bem pouco afetado nesse sentido. Um filme que se foca em aspectos “banais” e menos idealizados do gênero.

Nessa sua reverência, é um filme antiTarantino. Apesar de existirem certas referências mais ou menos específicas, o longa não depende diretamente delas para fazer o projeto narrativo evoluir e nem precisa segurar o espectador com mobilizações estéticas grandiosas. Até mesmo os momentos de clímax são curtos e não possuem um tom épico.

O modo banal e cotidiano com que Walter Hill lida com a violência até remete aos trabalhos de Budd Boetticher (o filme é dedicado a ele), mas a construção de todo o resto não vai dialogar tanto assim com a sobriedade do cinema do Boetticher.

Dead for a Dollar me remete muito mais a um filme como Quadrilha Maldita (1959), de André de Toth, nessa abordagem bem equilibrada entre ação dramática e olhar romantizado, do que exatamente a uma obra de Boetticher.

O final, querendo ou não, terá os seus toques de Matar ou Morrer (1952), porém não existe qualquer pretensão de mostrar aqueles personagens como figuras que carregariam algum grande subtexto ou algo do tipo. Não existe um gênero sendo desconstruído, apenas a evidência do seu mecanismo.

O modo como, nas suas escolhas estéticas, o filme rejeita cores saturadas entra, igualmente, nessa tentativa de minimizar aspectos épicos. Ainda assim, não sei até que ponto isso realmente funciona como uma concepção da fotografia digital, já que a falta de cor soa, também, como uma ausência de escolhas durante o color grading.

Mesmo alguns planos de uma mesma cena aparentam não ter passado pelo mesmo tratamento básico de correção de cor. Entendo o aspecto cru que o cineasta, possivelmente, queria chegar, mas faltaram boas escolhas técnicas e de pós-produção para que isso tenha sido concretizado.

De toda forma, é um caso relativamente raro nos dias de hoje de um filme que, ao dialogar com um grande gênero, consegue propor uma construção audiovisual contida, consegue colocar a sua narrativa e temas morais em uma posição central e, ainda assim, não se tornar meramente ilustrativo.

Em alguns momentos, ele periga cair em uma dinâmica televisiva devido a certos descasos estéticos e elipses que soam forçadas na montagem, mas Hill faz um trabalho tão bom com os atores e com o timing das cenas (as falas e as ações) que no fim das contas consegue propor uma fascinação pé no chão muito eficiente.

São personagens que se expressam muito mais pelos seus atos do que qualquer coisa. A personagem de Rachel Brosnahan possui uma ambiguidade que, em certo ponto, parece que será explorada de modo mais psicológico, porém tudo é resolvido com ações bem diretas.

Dead for a Dollar talvez seja próximo do filme que Clint Eastwood tentou fazer em Cry Macho: O Caminho para Redenção (2021). É um diálogo com o cinema que até romantiza uma coisa ou outra, mas tira a sua força principal de detalhes práticos da narrativa.

E ainda que o filme de Clint não me pareça muito feliz nessa empreitada, é possível afirmar que esses dois longas representam grandes diretores que não desejam homenagear diretamente um passado, mas trabalhar com a nostalgia em um nível muito mais pragmático e pessoal.