STARS AT NOON (2022): Romance perdido no tempo

Claire Denis usa os sentimentos de seus personagens como o único guia em uma narrativa experimental

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Dos últimos filmes lançados por Claire Denis, Stars at Noon é um dos que mais remete diretamente a O Intruso (2004), um dos longas mais radicais da cineasta francesa.

O filme remete a obra de 2004 principalmente pelo modo em que a narrativa se apropria de certos elementos de cinema de gênero (aqui, o romance, suspense e até o filme de espionagem) e evolui a partir de uma lógica própria que nunca quer localizar o espectador em tudo.

A trama funciona como um barco sem rumo que ao mesmo tempo que gera uma ansiedade por não conhecer seu caminho, também é relaxante justamente por possibilitar uma pausa no tempo e seguir esse curso que nunca está circunscrito em nada.

Uma dinâmica que Denis explora em vários outros filmes, mas da mesma forma que O Intruso (2004)  é uma espécie de ápice disso, Stars at Noon também se torna um dos melhores exemplos desse método experimental. O grande diferencial, nesse caso, talvez seja a maneira que a cineasta explora muito bem o romance dentro desse processo radical.

Mesmo que esses corpos apaixonados, de forma ou outra, estejam presentes em vários dos seus filmes, agora existe algo bem mais centralizador. O romance é o único elemento que guia os personagens naquele lugar.

Como existe essa paralisia e incerteza de um tempo e espaço, as sensações mais concretas dos personagens (do que eles sentem ao modo como seus corpos interagem com tudo) se tornam a única realidade da narrativa e, logo, são intensificadas.

A única coisa que existe para os personagens é essa paixão presente e intensa. Não entendemos o que se passa, como se passa e mesmo que o filme se situe na Nicarágua, ele usa o ambiente e a tensão política muito mais como um meio de forjar uma cidade-cenário do que uma tentativa de estabelecer uma perspectiva direta sobre aquilo.

Ainda que, em termos de estrutura narrativa, o longa seja praticamente o oposto do recente Top Gun: Maverick (2022), é um filme igualmente focado em usar a câmera e os corpos do elenco para interagir com o aspecto material do que existe a sua volta.

Claro que Denis nunca lida meramente com as “figuras” desses corpos, como é o caso de um blockbuster (o corpo de Tom Cruise não é apenas o seu corpo, é o emblema do que ele representa para o cinema); a diretora tem uma abordagem muito mais ligada a intimidade do elenco, mas é interessante como o foco central dos dois filmes está sempre nesses limites materiais entre corpo e aparato cinematográfico.

Em relação ao espaço em que o filme se passa, Nicarágua e os outros ambientes até podem ter essa atmosfera de cidade fantasma, mas existe uma presença concreta muito específica de tudo.

Assim como em O Intruso (2004), os ambientes são absolutamente materiais enquanto que a experiência dramática “incompleta” e a experiência temporal ambígua são o que geram essa sensação de algo estacionado no tempo. E eu até acho que os coadjuvantes ou possíveis antagonistas, aqui, também funcionam de modo mais concreto do que em O Intruso (2004).

Não são fantasmas que perseguem o casal. São pessoas que surgem como ameaças reais. Elas podem ter alguma ambiguidade (Benny Safdie como um agente nerd da CIA está incrível), mas possuem papéis bem definidores.