Sorria mistura elementos estilísticos minimalistas com uma tradição de terror mainstream
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Sorria é um filme que usa de uma premissa simples menos como uma forma de comentário nostálgico sobre o seu gênero, como é o caso de Corrente do Mal (2014), e mais como um modo de explorar de maneira direta uma atmosfera cotidiana sendo contagiada por um aspecto sobrenatural.
Nesse sentido, o longa remete mais a O Chamado (2002) e toda uma tendência de terror urbano dos anos 2000 do que ao slasher cult de David Robert Mitchell. O modo como os jumpscares são explorados de forma muito assumida, além de vários aspectos específicos da evolução da trama, remetem a essa outra tradição do início do milênio.
É interessante como o diretor, na verdade, tenta juntar alguns elementos estilísticos de um “terror elevado” em voga (planos lentos, caracterização sóbria e verossímil, trilha sonora minimalista) com alguns excessos desse cinema de terror de estúdio de 20 anos atrás.
Isso funciona muito bem, principalmente, quando o cineasta explora as perturbações psicológicas da protagonista de modo mais gráfico. Você tem cenas explícitas de violência (e até de monstros) sendo abordadas com um cuidado formal muito peculiar.Não é uma abordagem que sente vergonha desse imaginário ou que tenta enfeitar os seus elementos, mas que usa muito bem de uma certa frieza da câmera para ilustrar a alienação da protagonista
O modo como o filme sempre usa poucos planos para decupar as cenas e a maneira como se utiliza muito bem da atriz como uma espécie de elemento centralizador dessa decupagem ajuda muito nesse efeito.
A cena do suicídio, no início, e a da festa de aniversário, são ótimos exemplos. O acontecimento traumático ressignifica tudo o que está à volta da personagem a partir da confusão da sua percepção. Uma decupagem que sempre aliena essa vítima da maldição e que, nos seus melhores momentos, lembra aspectos formais dos filmes de Hideo Nakata e Kiyoshi Kurosawa nesse jogo entre mostrar e não mostrar.
Com certeza existe uma sofisticação envolvida em várias escolhas estilísticas, porém o filme nunca tenta ser um Hereditário (2018) da vida. Toda a evolução da trama, o ritmo das cenas e o modo como os coadjuvantes participam da narrativa segue uma lógica bem mainstream que faz com que o trabalho não se transforme em um pesadelo de tons abstratos. Mesmo que exista essa perturbação psicológica, a ambiguidade sobrenatural é sempre explorada de modo mais concreto e direto.
O excesso do ato final, por exemplo, vai para esse caminho. Os momentos finais até podem cair em uma caracterização um pouco genérica e toda a sequência na casa da mãe talvez se enrole demais, mas a última cena é boa justamente porque segue o aspecto trágico dessa tradição que o longa se debruça.
O filme nunca cai na tentação de romantizar as suas referências e lida bem com o que de melhor elas oferecem, que é essa desesperança e desolação de um contexto urbano de solidão e de tecnologia.
A tecnologia, nesse caso, não é o tema direto (como era em alguns filmes de 20 aos atrás) porque ela já está naturalizada no seu tempo histórico: o alarme, as imagens de câmera de segurança, a gravação em áudio do primeiro suicídio, etc.
Enquanto que a questão da solidão, em alguma medida, aí sim é colocada como um tema mais central. A protagonista precisa se isolar para, literalmente, evitar a continuidade daqueles traumas e mortes. O próprio suicídio e a depressão viram temas essenciais desse contexto que flerta com uma ideia comportamental pós-pandemia. Ainda assim, são temas que não funcionam como meros comentários isolados e estão muito bem integrados a tudo.