George Miller preserva ótima unidade dramática ao lidar com aspectos épicos e íntimos
*
Uma estudiosa de narratologia encontra um Gênio que lhe oferece três desejos em troca de sua liberdade.
*
Era Uma Vez um Gênio (2022) é um ótimo exemplo de um filme que consegue lidar com uma variação de temas e possibilidades sem nunca se entregar a uma dinâmica caótica e aleatória. Em tempos de multiversos e toda uma nova disposição pelo intertexto que domina o cinema contemporâneo, George Miller faz um trabalho muito poderoso justamente por se focar em tradições sólidas da narrativa oral.
O longa me lembra até um pouco a lógica de Top Gun: Maverick (2022) no modo em que usa um pretexto contemporâneo para afirmar uma tradição universal. A obra vai se reinventando com grande agilidade e, de certo modo, vai apresentando várias dimensões a partir da história que conta, porém, no fim das contas, se vale de uma estrutura clássica e de uma grande dose de romantismo.
O modo como o trabalho comenta diretamente sobre os filmes de herói no seu primeiro ato funciona até mesmo como uma ponderação provocativa ao mostrar que é possível reviver aqueles mitos em uma roupagem contemporânea digna. E o melhor de tudo é que além de explorar muito bem as possibilidades mais épicas e fantasiosas da contação de história através do personagem de Idris Elba, Miller também lida muito bem com o apelo íntimo e realista do plot envolvendo a personagem de Tilda Swinton.
Nesse ponto, estamos diante de uma aula sobre escolhas de temas e unidade dramatúrgica. Enquanto um filme como Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022) se vende como um trabalho de draminhas pessoais e intimistas que se expressa pelo absurdo, mas nunca de fato faz escolhas e só atira pra todos os lados, Era Uma Vez um Gênio preserva um equilíbrio invejável na maneira em que lida com tantas circunstâncias.
O diretor consegue definir um drama central ao mesmo tempo que engloba as perspectivas grandiosas da fantasia e daquelas memórias narradas. Mais do que isso, as memórias não servem apenas como um jogo vaidoso que expõe outras referências e imaginários, mas atuam diretamente na construção afetiva do personagem de Elba.
Além de ter o apelo tanto de um filme de apartamento de Richard Linklater como também de um épico do Peter Jackson, o longa sabe relacionar as duas coisas na medida certa.
É muito interessante também a forma como Miller consegue impor um estilo próprio na caracterização dos ambientes. Em Mad Max: Estrada da Fúria (2015) ele já demonstra muito talento na concepção de adereços, gadgets espirituosos, personagens com um visual excêntrico, cenários estimulantes e por aí vai.
Aqui, apesar de ser um pouco mais tradicional, usa tanto o cgi como elementos práticos da direção de arte e até a fisionomia do elenco para criar uma mitologia pessoal. Em termos mais específicos, o modo como lida com algumas representações antropomórficas que vai desde detalhes (como instrumentos musicais) à própria fisionomia do Gênio tem muita personalidade e é sempre muito expressivo.
No geral, Miller é um cineasta que tem uma percepção entre possibilidades do cgi e elementos práticos bem acima da média. Ele não assume de modo aberto a artificialidade daquilo (como um cineasta como Robert Zemeckis faria), mas também não se limita a uma verossimilhança meramente eficiente (como muitos filmes da Marvel fazem).
No lugar disso, prefere ficar em um meio-termo possibilitador que remete a grandes clássicos do cinema no sentido de não estarem dispostos a propor um uso conceitual dos efeitos, mas ainda preservarem uma certa “falsidade” que reforça a ideia de que estamos, sim, diante de um grande espetáculo forjado.