NÃO! NÃO OLHE! (2022): Confusão temática

O filme de Jordan Peele não conserva uma unidade ao tentar lidar com temas diferentes

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Os proprietários de um rancho de cavalos na Califórnia se deparam com uma força misteriosa que afeta o entorno daquele ambiente e das pessoas que ali se encontram.

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A grande marca do cinema do Jordan Peele, pelo menos até agora, é o modo como o cineasta lida com subtextos complexos em seus filmes a partir de premissas narrativas relativamente simples.

Os seus três longas – Corra! (2007), Nós (2019) e este Não! Não Olhe! (2022) – lidam com tradições old school do cinema de gênero ao mesmo tempo que inserem, de maneira muito pessoal, um contexto político contemporâneo em suas narrativas.

Ainda que não sejam filmes comuns, Corra! (2007) e Nós (2019) são obras bastante objetivas em que a força desse subtexto depende, diretamente, de uma evolução afiada tanto dos plots como da atmosfera sensorial que a direção cria a partir de certas tradições clássicas.

Nesse sentido, Não! Não Olhe! (2022) é, sem dúvidas, o trabalho mais ambicioso do autor até agora. Ambicioso tanto no tamanho do projeto e do seu orçamento, como também na maneira muito mais intrincada em que Peele integra diferentes subtextos e dimensões históricas em uma trama de filme B de monstro.

No lugar de uma evolução mais clara e dinâmica que estava presente nos outros filmes, Não! Não Olhe! vai para diferentes lugares e propõe uma estrutura mais experimental. O que traz pontos positivos e negativos.

O principal ponto positivo, com certeza, é o modo como o longa evoca ideias variadas, mas que sempre possuem alguma relação com o imaginário do cinema.

Desde a tradição de filmes B de monstros – principalmente uma herança mais específica dos anos 50: os planos da casa naquele terreno seco lembram até alguns elementos de Tarântula (1955) – passando pelo debate sobre a dimensão histórica de registros cinematográficos até uma contraposição provocativa entre os meios digitais-eletrônicos vulneráveis e a película que conserva tudo a partir de uma dimensão física mais legitimadora.

O que não falta no filme são essas imbricações culturais reveladoras envolvendo a imagem, o registro, o cinema, e suas possíveis reflexões e reparações. O problema é que, ao invés desses temas potencializarem a experiência, eles acabam travando a evolução da ideia central da obra.

Quando o filme se foca nos mistérios daquele acontecimento e em um entorno mais imediato dos personagens, ele tem a sua força. Inclusive, nesse ponto, Jordan Peele remete cada vez mais ao Shyamalan no modo em que intercala o suspense e o terror, e ao Spielberg na maneira em que evidencia uma fascinação mais ingênua dos protagonistas frente àqueles mistérios.

Porém quando a obra parte para algumas estranhezas e outras situações isoladas (por exemplo: a sitcom, o personagem do diretor de fotografia excêntrico, alguns toques forçados de humor) ela soa aleatória. Mesmo a estrutura narrativa, nessas idas e vindas temáticas, se mostra cansativa.

São situações que, em vários casos, funcionam de modo separado, já que o talento de Peele para construir ambientes climáticos é inegável, mas que em conjunto parecem blocos jogados no meio do caminho. Como se, em algum sentido, o cineasta priorizasse essa estranheza mais cool do que as sensações oriundas das tradições dos gêneros que comenta. Algo que não acontecia em Corra! (2007) e Nós (2019).

Claro que existe uma tentativa bem clara de desconstruir essas tradições (o que até entra na lógica das reparações que o longa denuncia), mas o filme faz isso de modo muito mais aleatório do que incisivo. Nos seus piores momentos, periga até cair em uma dinâmica impressionável fácil de uma obra Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo (2022).

Felizmente, no final, o longa até encontra um caminho e salva parte das suas intenções e ótimas ideias (a última sequência é uma pérola à parte), mas é inegável que o dano de todo o trajeto tortuoso já havia afetado a experiência.

Vale a pena ressaltar que a união de forças entre Jordan Peele e o fotógrafo Hoyte van Hoytema (mais conhecido pelos trabalhos com Christopher Nolan) é absolutamente inspiradora no modo em que os dois abordam as paisagens e as ameaças. Eles preservam uma escala épica que até lembra os filmes de Nolan, mas com uma atmosfera de mistério muito poderosa. Algo que o próprio Nolan sempre penou para construir. Com certeza algumas comparações entre esse filme e Interstellar (2014) seriam bem reveladoras sobre modos de usar o cinema para abordar o desconhecido.