AMBULÂNCIA – UM DIA DE CRIME (2022)

A desorientação do olhar se transforma em um projeto estético no filme de Michael Bay

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Após um assalto a banco dar errado, dois irmãos sequestram uma ambulância para escapar da polícia.

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Ambulância – Um dia de Crime se utiliza de um grande arsenal de aparatos de captação de imagem para reforçar uma ideia de desorientação bastante cara ao cinema de Michael Bay. Além do diretor ainda usar a câmera que a RED fabricou para ele, o autor também recorre a drones para gravar alguns planos.

Em algum aspecto, essa desorientação do filme até rejeita elementos mais contemplativos que pontuam outros trabalhos do diretor. Ainda que obras como Esquadrão 6 (2019) e Transformers: O Lado Oculto da Lua (2011) também sejam bastante frenéticas, esses filmes possuem momentos de respiro e até mesmo uma preocupação estética mais específica com as imagens em slow motion e alguns planos sequências mais longos.

Aqui, mal existe um respiro. O bullet time na cena em que personagem do Yahya Abdul-Mateen II é atingido por um tiro e os flashbacks talvez sejam dos poucos momentos que lidam com essa ideia mais meditativa. O filme todo funciona a partir da lógica de um acúmulo obsessivo de imagens e de um choque entre perspectivas de diferentes ângulos.

O fato do diretor de fotografia ser um operador de câmera e de steadicam muito experimente – curiosamente, o único outro crédito dele como fotógrafo  é  Visages, villages (2017), de Agnès Varda e JR – reforça essa ideia do trabalho buscar menos uma unidade na decupagem e mais uma desconstrução caótica que soa como um adolescente pilotando um drone.

Até o modo como o longa lida com as referências vai para um lado que remete a uma essência mais assumidamente apelativa do cinema de Bay. A primeira parte no banco é praticamente um Fogo contra Fogo (1995) dirigido por um garoto de 14 anos que curte video game de tiro e não consegue manter a atenção focada por mais de cinco segundos em alguma coisa.

Apesar de Bay se apropriar desses aspectos que podem soar aleatórios (e que no primeiro ato até soam), o filme vai se encontrando da metade para o fim. Especialmente em como, a partir de certo momento, ele baseia o seu apelo cinematográfico em uma noção espacial básica (afinal, é um filme de perseguição) ao mesmo tempo que rejeita totalmente qualquer noção mais clara desse espaço.

A decupagem rejeita uma noção tradicional de eixo, o filme corta de movimentos de câmera abruptos para outros menos nervosos e recusa qualquer percepção de um bom raccord. A ambulância, o principal elemento que gera a tensão da narrativa, passa por ruas que nunca tem fim. Nunca temos uma visão do todo, mas o thriller, admiravelmente, ainda funciona muito bem.

A tensão do longa não é construída pela iminência de uma possível linha de chegada ou pela noção de que os irmãos estão ficando sem tempo. O filme rejeita essa característica do suspense de manter o espectador informado de uma perspectiva mínima de espaço e tempo que contribui para um senso de urgência e se foca apenas nas resoluções do presente.

Nesse sentido, é um thriller que rejeita qualquer ideia de uma tensão a médio ou longo prazo e divide toda a sua estrutura em pequenos momentos decisivos. A ambulância não está cortando a cidade, é um veículo preso nessa dimensão de desorientação do cinema de Michael Bay (ou, como diria Steven Shaviro, nesse estado pós-cinemático) em que os obstáculos vão, simplesmente, brotando.

As alusões a uma relação de gameplay com o universo dos jogos da franquia GTA fazem bastante sentido, principalmente nessa noção de um mundo aberto que vai revelando novas ameaças a cada esquina, já que o filme é bem pouco submisso a qualquer tentativa de situar os personagens em um possível universo de regras convencionais

Talvez ele esteja até mais dedicado a simular o estado cognitivo de um adolescente jogando do que estabelecer uma trajetória definida. E o mais interessante é como a obra consegue trabalhar com essas ideias se utilizando de poucos efeitos digitais. Apesar do seu ritmo e de toda a sua lógica flertar com essa questão de estímulos constantes que remetem tanto a video game como a toda uma ideia de blockbuster de atrações, é um longa muito dedicado a uma relação prática com a câmera.

Algo que, em alguns momentos, passa do ponto (nos diálogos mais simples em que a câmera fica apenas rodando ao redor dos personagens parece que existe um atraso entre a ação dramática e ação formal), mas que, no geral, trabalha bem com a sua dinâmica esquizofrênica de pontos de vista.

Provavelmente uma boa parte desses cortes, quebras de eixo e mudanças abruptas de ângulo não funcionariam tão bem há 10 anos atrás. Mas nada que alguns anos de blockbusters ultra estimulantes, games ultra velozes e conexões com a internet que permitem que se abra qualquer coisa sem precisar carregar, não façam pela mente humana. É o Bayhem atualizando o seu processador e memória RAM.