Christian Petzold mistura aspectos de um romance realista com elementos fabulares
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Undine, uma historiadora, trabalha dando palestras sobre o desenvolvimento da cidade de Berlim. Após terminar um relacionamento, ela se apaixona por Christoph, um mergulhador.
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Undine é um filme que evidencia, de modo bem direto, a essência do cinema de Christian Petzold. Boa parte da filmografia do diretor é formada por obras em que o mundo é caracterizado de maneira muito realista, porém é assombrado por algum espectro, por alguma entidade do passado, do presente ou mesmo de outra dimensão.
O conflito dramático é geralmente mediado por essa tensão entre um elemento realista, entre um mundo desencantado e até impessoal, e um fascínio sobrenatural que nasce como um enigma dessa realidade. Yella (2007) talvez sintetize tudo isso de maneira ainda mais forte, mas o modo que Undine concilia a fábula com a realidade dos personagens revela novas particularidades dessa relação.
Algumas imagens e temas lembram o trabalho do francês Leos Carax em como a relação amorosa é idealizada nesse contexto. Mas enquanto Carax não faz questão de obter essa aparência real ou natural, Petzold é uma espécie de ilusionista pela forma em que faz conceitos absurdos soarem, até certo ponto, comuns. Ou, de certo modo, soarem como acontecimentos cotidianos.
O cineasta usa elementos universais e até banais (um café, o espaço da cidade, um lago) como vínculos para eventos íntimos extraordinários. Aqui, particularmente, existe um contraste bem evidente entre o mundo da protagonista historiadora (o seu trabalho é apresentar a memória dessa realidade) e a sua vida íntima que desafia conceitos físicos.
Todo esse choque que o diretor propõe soa, ao mesmo tempo, natural e impactante. O que se deve, em grande parte, a uma abordagem que concilia aspectos fantásticos com a transparência de uma herança formal clássica. O modo como as escolhas visuais não tentam estilizar as cenas, mas estão mais interessadas em captar a objetividade dos seus gestos e ações é algo que reforça isso.
Mesmo as sequências mais fantasiosas vão para esse caminho. Apesar das cenas gravadas nas profundezas do lago possuírem um teor irreal, tudo é muito claro e abordado pela câmera por ângulos frontais. Como se tudo fizesse parte de uma mesma existência, basta encontrar alguns “portais” em lugares específicos (como o lago e o café).
Até o modo como Undine, a personagem, narra os acontecimentos históricos envolvendo a arquitetura de Berlim remete a essa relação literal com o mundo a sua volta, porém que esconde algo de metafísico nas entrelinhas. É uma narração objetiva, mas possui o tom evocativo de uma fábula. O fascínio do Christoph está muito mais na sua figura e no seu jeito de narrar, está muito mais em um encanto dessa encenação que ela apresenta para os visitantes do museu, do que nas informações que traz propriamente.