Kiyoshi Kurosawa reverencia o clássico em drama intimista sobre espionagem
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No Japão de 1940, a esposa de um comerciante desconfia que ele está escondendo algo depois que volta de uma viagem para a Manchúria. Logo, ela se vê envolvida em um jogo de intrigas e espionagem com o governo japonês
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A abordagem de Kiyoshi Kurosawa, nesse longa, remete um pouco aos últimos filmes do Robert Zemeckis. Principalmente pelo modo que o cineasta retrata o passado através de uma estética contemporânea, mas ainda preservando uma atmosfera clássica.
É um filme que assume bem a estética do digital (o sensor da câmera da SHARP que foi usada na produção lembra muito a textura cristalina das câmeras da RED) ao mesmo tempo que propõe uma decupagem clássica e até mesmo um ritmo que remete aos thrillers de espionagem mais lentos de Alfred Hitchcock. No final, quando o filme se utiliza do CGI de modo bastante assumido, ele evoca diretamente a dinâmica anacrônica de uma obra como Aliados (2016).
De modo geral, Kurosawa mantém um ótimo equilíbrio entre o que seria um trabalho originalmente produzido para a TV e alguns toques autorais que fazem toda a diferença. Mesmo que esse não seja diretamente um filme de terror, o diretor constrói uma atmosfera sombria e alienante envolvendo a perseguição que os protagonistas sofrem e os experimentos que eles desejam denunciar (as imagens filmadas dos experimentos, aí sim, são dignas de um j-horror).
É interessante, também, como ele constrói o protagonismo de Yu Aoi sem romantizar a sua figura. Mesmo quando a personagem tem atitudes independentes e até subversivas naquele contexto, a sua fragilidade é preservada. Nesse ponto, o diretor se aproveita muito bem da persona delicada da própria atriz.
No final, quando a personagem já soa como outra pessoa, não é algo que nasce de uma mudança de temperamento, mas de uma ausência de vida. Ou, talvez, de uma espécie de limiar da sua humanidade. O plano final, inclusive, soa como uma homenagem ao final de Stromboli (1950), de Roberto Rossellini.
Se por um lado o filme até pode ser visto como um projeto menos autoral, já que não dialoga tão diretamente com algumas marcas estilísticas e temáticas do cineasta, por outro, o modo como tudo depende de uma relação muito franca com a encenação (a dinâmica do elenco entre si e do espaço em que se encontram, a mise-en -scène em um sentido mais tradicional) sugere um processo que é muito caro ao cinema do Kurosawa e até mesmo a uma perspectiva histórica do cinema japonês (que ele propõe diretamente em algumas cenas).
Um filme como O Sétimo Código (2013), conceitualmente, pode ir para um caminho oposto, mas é igualmente dependente desse vínculo mais direto com a construção das cenas, dessa recusa por artifícios estéticos impositivos e até dessa reverência a uma ideia mais “teatral” de um drama que se compõe de diálogos e situações objetivas.
Enquanto alguém como Steven Spielberg, quando faz obras de temáticas semelhantes, sempre recorre a uma estilização e a um jogo pesado de estímulos audiovisuais, Kiyoshi Kurosawa e Robert Zemeckis parecem mais dispostos a uma atualização formal digna de um Otto Preminger.