RED ROCKET (2021): A sobrevivência como uma experiência irreal

Sean Baker rejeita visão paternalista em filme sobre personagens marginalizados

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Red Rocket, o mais recente trabalho de Sean Baker, conta a história de Mikey Saber, um ex-ator de filmes pornôs que volta para a sua cidade natal no Texas. Enquanto tenta retomar sua vida com a esposa e trafica maconha, o protagnista conhece uma jovem que faz com que ele deseje voltar ao mundo da pornografia.

É interessante perceber como o trabalho de Sean Baker está, cada vez mais, se aproximando da obra dos irmãos Safdie. Diferente de outros cineastas americanos independentes que buscam se moldar a demandas de um certo mercado engessado e politicamente panfletário do cinema de arte, Baker está mais interessado em dar continuidade a um projeto artístico pessoal.

Um projeto que, assim como o cinema dos Safdie, questiona aspectos da identidade e do modo de vida norte-americano sem nunca cair em uma abordagem política meramente ilustrativa. São autores que mostram espaços e personagens marginalizados da sociedade através de um olhar que não julga moralmente seus protagonistas, mas reconhece a complexidade de suas situações e até mesmo a controvérsia de seus atos.

Além disso, as escolhas estéticas mais cruas de Baker, assim como as dos Safdie, vão além de um mero realismo apelativo. São aproximações que, em certa medida, possuem até mesmo um aspecto fantasioso que integra as particularidades de cada ambiente abordado.

Muito da relação de Red Rocket com o realismo, nesse sentido, remete a Projeto Flórida (2017), longa anterior de Baker. O cineasta contextualiza, de modo quase documental, as situações em que os personagens vivem, e se apropria de elementos que, defasados no meio dessa paisagem urbana e caótica, soam quase irreais. O modo como o trabalho lida com as particularidades da região do Texas em que é ambientado vai para esse caminho.

Red Rocket nunca ridiculariza ou denuncia nada de modo óbvio, mas dispõe os elementos presentes naquela paisagem – loja de donuts, refinarias, propagandas políticas, vizinhança excêntrica, situação social instável – como se estivéssemos diante de uma possível distopia sem um tempo histórico exatamente definido.

O modo como o cineasta usa a textura do 16mm com a lente anamórfica reforça essa perspectiva anacrônica. É um filme que, visualmente e tematicamente falando, remete a obras como Liberdade Condicional (1978) e até Perdidos na Noite (1969) na maneira mais ríspida em que mostra essa desolação do indivíduo frente uma paisagem norte-americana, mas também consegue ser muito contemporâneo ao lidar com os estímulos visuais em cena.

Essa espécie de limbo também se reflete no conflito dramático do protagonista. Ao mesmo tempo que Mikey parece preso ao passado, ele se mostra extremamente articulado no modo em que engana as pessoas com promessas de um futuro. Como se, apesar de estar alienado pelas suas próprias obsessões, o protagonista tivesse uma visão extremamente clara da desolação em que tudo e todos se encontram. E, sendo assim, se utiliza disso para um ganho pessoal.

Mesmo essa moral duvidosa do protagonista parece ir contra um cinema indie que se utilizaria do pretexto social para construir uma visão mais romantizada de suas situações. O diretor rejeita uma visão paternalista e evidencia personagens marginalizados que jogam o seu próprio jogo.

A dinâmica da narrativa se dá na reinvenção desse jogo na medida em que tudo vai conspirando contra Mikey em sua jornada autocentrada e levemente sociopata. Ainda que presenciando várias circunstâncias de vulnerabilidade ao seu redor, o personagem se aproveita dos seus privilégios e não demonstra qualquer remorso.

Ou seja, o diretor não está preocupado em construir uma boa imagem de Mikey e muito menos em fazer um filme edificante. Ao se focar nas particularidades daquele contexto, Sean Baker destaca a tentativa de sobrevivência como uma experiência cada vez mais irreal no mundo de hoje.